Segundo TCU, R$ 92 bi dos R$ 609 bi desembolsados em 2017 são fruto de ações que questionam órgão
Laís Alegretti
O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) desembolsou R$ 92 bilhões em 2017 para pagar aposentadorias e outros benefícios concedidos ou reativados por determinação da Justiça.
Isso representa 15% do total de R$ 609 bilhões pagos a beneficiários da Previdência no ano passado.
O cálculo é resultado de uma fiscalização do TCU (Tribunal de Contas da União) que será discutida no fim de setembro.
O documento, obtido pela Folha, aponta que pelo menos um a cada dez benefícios pagos pelo INSS é resultado de decisão judicial.
Apesar de o INSS ser conhecido por ocupar o posto de maior litigante do país, a falta de dados consolidados sobre o tema dificulta a análise da evolução desse problema e a proposta de soluções.
Para conseguir dimensionar a judicialização, a auditoria levantou dados de diversos órgãos sobre concessão de aposentadorias, gastos previdenciários, tramitação de processos de direito previdenciário, orçamento e despesa com servidores.
A análise dos tipos de benefícios mostra que em alguns deles, como aposentadoria especial e auxílio-acidente, a concessão judicial chega a ser maior do que a administrativa, quando o próprio órgão, após avaliação interna motivada pelo beneficiário, determina o pagamento.
A constatação é baseada em levantamento de benefícios concedidos, reativados e revisados de 2014 a 2017.
No período, a concessão de aposentadoria por invalidez previdenciária teve índice de judicialização de 37%. Na aposentadoria por idade rural, as concessões por decisão judicial ficaram em 25% do total.
A área técnica do TCU calculou que, em 2016, o custo operacional da judicialização dos conflitos relativos a benefícios do INSS foi de R$ 4,67 bilhões, que corresponde a 24% do custo operacional dos órgãos envolvidos: Justiça Federal de 1º e 2º graus, Procuradoria-Geral Federal, INSS e DPU (Defensoria Pública da União).
O custo médio do requerimento administrativo de benefício foi estimado em R$ 894 em 2016.
Ao mesmo tempo, o custo do julgamento de um processo judicial previdenciário na 1ª instância da Justiça Federal foi estimado em R$ 3.734, desconsiderando eventuais recursos.
A auditoria traz pesquisa com juízes e procuradores para levantar as principais causas da judicialização.
O grande problema é que, na hora de dizer se a pessoa tem direito ao benefício, o INSS e juízes divergem no entendimento de muitos fatores.
Segundo o levantamento, há desacordos específicos para cada benefício: existência ou duração da incapacidade (aposentadoria por invalidez), validade das provas (aposentadoria rural), comprovação de períodos de atividade especial (aposentadoria por tempo de contribuição).
Também são motivo de divergência os critérios de miserabilidade (benefício assistencial) e a classificação do dependente como companheiro (pensão por morte).
Outro fator apontado no levantamento do TCU é a atuação dos advogados, que muitas vezes não têm interesse em solução administrativa.
“Há relatos de que advogados chegam a ficar com o montante entre 50% e 100% dos atrasados. A demora na conclusão dos processos, até o final do pagamento dos créditos, estimula a litigância ao aumentar o valor da condenação e, por conseguinte, dos honorários dos advogados.”
A ausência de risco no acesso à Justiça também é apontada pelos juízes e procuradores como fator que motiva grande quantidade de processos, já que “não há o que perder”.
Outros pontos indicados como causas para a judicialização foram a dificuldade da União em apresentar defesa adequada, problemas relacionados à legislação vigente e erro do INSS na análise administrativa do benefício.
Participaram da pesquisa 348 magistrados e 844 procuradores federais.
Mais de 150 procuradores mencionaram, segundo o relatório, que membros do Poder Judiciário parecem ter entendimentos mais favoráveis ao segurado do que o INSS.
“Essa percepção dos pesquisados é manifesta por meio de expressões como ‘ativismo judicial’, ‘interpretação muito variada’, ‘criação de teses jurídicas’, ‘jurisprudência leniente'”, diz o relatório.
De outro lado, alguns magistrados relataram fragilidades na perícia do INSS, até mesmo com menção à política de redução de benefícios por incapacidade, que “faria suspeitar de uma suposta orientação interna para a não concessão”.
O TCU diz que foram relatados casos de peritos que concluem pela incapacidade em 100% dos processos e de magistrados “que desconsideram o laudo pericial quando este é desfavorável ao segurado ou determinam a realização de novas perícias até alcançar uma conclusão diferente”.
O tribunal marcou uma audiência pública sobre o tema para dia 26 de setembro, quando serão convidados a falar representantes do INSS, CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Secretaria de Previdência, AGU (Advocacia-Geral da União), DPU, entre outros.
Depois disso, o relator do processo, ministro André Luis de Carvalho, apresentará seu relatório ao plenário.
Um problema antigo que ainda não foi resolvido pelo governo se refere ao critério de renda para ter acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência em condição de miserabilidade.
A lei diz que têm direito ao benefício pessoas com renda de até 25% do salário mínimo.
Em um julgamento em 2013, contudo, o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou inconstitucional esse critério. Até hoje, a lei não foi alterada.
A busca por benefícios do INSS leva trabalhadores à Justiça antes de ter uma resposta do órgão. A Folha mostrou que muitos acionam a Justiça para ter uma decisão. Segundo o órgão, 720 mil pessoas esperam há mais de 45 dias decisão sobre pedido de benefício, quase metade do total de 1,5 milhão de processos.
Folha de S.Paulo, 14 de setembro de 2018.