A falta cometida pelo empregador e a justa causa por iniciativa do empregado ImprimirEnviar11

6 de julho de 2018

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Quando se cogita de ruptura do contrato individual de trabalho pelo cometimento de falta, normalmente vem à nossa mente o ato ilícito praticado pelo empregado, e que justifica a dispensa por justa causa pelo empregador. Mas essa é apenas uma das possibilidades que a Consolidação das Leis do Trabalho prevê de ruptura contratual por justa causa.

Isso porque, além das hipóteses elencadas pelo artigo 482 da CLT, que constituem faltas justificadoras de justa causa para que o empregador dispense o empregado sem pagar indenização, o artigo 483 da CLT traz o elenco das faltas cometidas pelo empregador e que, do mesmo modo, facultam ao empregado romper o contrato por falta patronal.

Afirma o artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho:

“Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

§ 1º – O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.

§ 2º – No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.

§ 3º – Nas hipóteses das letras ‘d’ e ‘g’, poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo”.

Interessam-nos, neste momento, as hipóteses das letras “c” e “f”, que dizem respeito a ofensas físicas cometidas contra o empregado pelo empregador, seus prepostos, ou mesmo terceiros, em local cuja guarda é da responsabilidade da empresa.

Isto a propósito de lamentável episódio ocorrido nas dependências do estabelecimento do Sporting Clube de Portugal, em que os jogadores do time de futebol dessa agremiação esportiva e auxiliares técnicos foram agredidos por um grupo identificado como de torcedores do clube, que invadiram as dependências do estabelecimento, insatisfeitos com a sequência de maus resultados nas partidas de futebol disputadas pelo Sporting.

A imprensa portuguesa, a propósito desse episódio, dá notícia no seguinte teor:

“A sequência da invasão à Academia do Sporting Clube de Portugal em Alcochete, vários jogadores, elementos da equipa técnica e staff do clube foram agredidos por um conjunto de 50 pessoas, alegadamente pertencentes à claque Juventude Leonina, reconhecida e legalizada pelo Sporting Clube de Portugal. A pergunta óbvia é: podem os jogadores e elementos da equipa técnica rescindir, com justa causa, o seu contrato de trabalho com o Sporting Clube de Portugal?

O Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo (RJCTD), aprovado pela Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, no seu artigo 23.º, n.º 1, alínea d), prevê que, de facto, o contrato de trabalho desportivo possa cessar mediante resolução com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, esclarecendo que, neste caso, constituirá justa causa ‘o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva’.

Nesta matéria, aliás, o contrato coletivo de trabalho, celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, em concretização do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do RJCTD, vai mais além e clarifica que constitui justa causa de resolução, entre outros, os comportamentos imputáveis à entidade empregadora desportiva que consubstanciem violação das garantias do jogador nos casos e termos previstos no artigo 12.º ou ainda a ofensa à integridade física, honra ou dignidade do jogador praticado pela entidade patronal ou seus representantes legítimos.”

Afirmam os especialistas portugueses na matéria que o tema não foi objeto ainda da jurisprudência dos tribunais, mas os fatos ocorridos apontam no sentido da real possibilidade de o Poder Judiciário acolher a pretensão dos jogadores e auxiliares técnicos agredidos, no sentido de reconhecer a justa causa patronal para ruptura dos contratos individuais de trabalho.

Em outra notícia, afirma a imprensa portuguesa:

“Depois das agressões em Alcochete, o regime jurídico laboral desportivo e o próprio código de trabalho podem ser invocados pelos jogadores do Sporting para a resolução dos contratos por justa causa.

Os jogadores do Sporting podem rescindir o contrato de trabalho depois das agressões de que foram alvo na academia do Sporting? Os advogados consultados admitem essa possibilidade, com base no artigo 23º do ‘Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo’, mas não só: também o artigo 394º do Código de Trabalho, que define as condições para a ‘justa causa da resolução’.

Afirma-se que o que estará em debate é o que decorre do artigo 394º, nº 2, alinea d) do Código de Trabalho, que determina a justa causa por falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho. E tal resultaria da invasão da Academia de Alcochete por cerca de 50 torcedores do Clube Sporting, e que levou a agressões físicas a jogadores e ao próprio treinador Jorge Jesus, e teria ocasionado várias detenções”.

A legislação desportiva portuguesa, do mesmo modo que a legislação desportiva brasileira, dispõe sobre a aplicação das normas relativas ao contrato individual de trabalho às relações trabalhistas do atleta profissional. Ademais, a lei especial no nosso caso dispõe expressamente sobre a aplicação aos contratos individuais de trabalho das normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho, salvo os artigos que expressamente excepciona, e dentre os quais não se incluem os artigos 482 e 483 acima referidos. Eis, portanto, o fundamento legal para o pedido de ruptura do contrato de trabalho por falta patronal, no caso de agressões físicas sofridas nas dependências do clube empregador.

Tristes tempos estes que vivemos, quando a intolerância e a violência passam a fazer parte do nosso cotidiano, irradiando a insegurança e o medo de viver. Não é admissível que resultados desfavoráveis em jogos de uma equipe esportiva, ainda que sucessivas derrotas, possa levar a esse nível de violência e até de desmantelamento da estrutura administrativa de um dos grandes clubes do futebol português, como é o Sporting Clube de Portugal, culminando essa crise com o afastamento do presidente do clube e talvez o desmantelamento de sua equipe de futebol.

Infelizmente, esse fato é resultado do clima de insegurança que toda nossa sociedade vive nos dias de hoje, fruto da falta de respeito ao próximo e à coisa pública, gerando um clima de intolerância e de reações negativas nos diversos setores da sociedade.

Sob a ótica do Direito do Trabalho, o exemplo serve como dado a positivar a possibilidade de configuração da justa causa patronal, assim considerada a falta cometida pelo empregador, que justifica a ruptura contratual por iniciativa do empregado, com recebimento de indenização, não obstante perca o bem maior, que é o seu emprego.

        

Conjur, 06 de julho de 2018