A guerra de Trump logo chegará ao Brasil

4 de outubro de 2018

E a negociação não terá cenoura, só porrete

Sempre se disse que qualquer negociação diplomática digna de respeito deveria usar “stick and carrot”. Ou seja, brandir o porrete mas oferecer também uma cenoura para convencer o interlocutor.

Donald Trump subverte também essa regra não escrita do sentido comum e da racionalidade. Usa só o porrete nas negociações comerciais, como o fez, entre tantos, com a China, com o Canadá e o México, com a União Europeia e vai fazê-lo com o Brasil em algum momento futuro.

É só reler o que ele disse a respeito do acordo com Canadá e Méxicopara transformar o Nafta em USCAM (o Acordo de Livre Comércio das Américas virou Estados Unidos/Canadá/México, na sigla em inglês; é uma mudança ridícula, mas o que não é ridículo no que Trump se envolve?).

Trump disse o seguinte: “Sem tarifas [a imposição de tarifas extras], nós não estaríamos falando de um acordo. (…) Sem tarifas, nós não estaríamos aqui [falando do Nafta renomeado]”.

A frase seguinte foi exatamente sobre o Brasil, chamado de “um dos mais duros no mundo”, em termos, claro, de comércio internacional. Completou dizendo que não chamaria os responsáveis brasileiros para dizer que estão tratando as companhias americanas e os próprios EUA injustamente.

Faria o que, então? Tarifas. Ponto.

Quando o fará é questão em aberto. Não certamente até a posse do novo presidente, em janeiro.

É bom, portanto, que as equipes dos candidatos que passarem ao segundo turno se preparem desde já para um choque de trens com Trump.

Avisa, por exemplo, John Ibbitson, colunista do canadense Globe&Mail, com a experiência de quem acompanhou a escaramuça em torno do Nafta: “Todas as nações que fazem comércio vivem agora em um ambiente de medo. Como Trump assumiu na segunda-feira (1º), os Estados Unidos estão usando tarifas, ou a ameaça de usá-las, para forçar outros países a fazer concessões aos interesses americanos. Foi o que os Estados Unidos fizeram com Canadá e México. É o que os Estados Unidos planejam para o resto do mundo”.

Completa com uma frase bem forte: “No comércio, os Estados Unidos se transformaram em bandido”.

Esse tipo de comportamento de valentão no saloon tende a prejudicar a parte mais fraca na negociação. É o que demonstra o novo acordo na América do Norte: Trump saiu-se bem, o Canadá recebeu leves escoriações, mas o México, o mais fraco dos três, perdeu mais ou, na melhor das hipóteses, ganhou menos.

O Brasil estará preparado para entrar no saloon e sair de pé, se e quando Trump voltar sua metralhadora comercial giratória para o sul?

 
Clóvis Rossi

Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

 

Folha de S.Paulo, 04 de outubro de 2018.