Mercado e seus porta-vozes apostam as fichas na reforma previdenciária, que, porém, não tem poder para reanimar a economia exangue. Juntando-se insatisfação social e inoperância das instituições, há o cenário propício para saídas autoritárias.
Por André Luiz Passos Santos*
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
O mercado financeiro, assim como analistas independentes, vai ajustando para baixo, a cada semana, suas previsões para o crescimento do PIB em 2019. Começam a surgir as primeiras previsões de crescimento anual abaixo de 1%, e é quase uma unanimidade que houve retração no primeiro trimestre. Naturalmente, é cedo ainda para afirmações, mas os indícios são de que teremos mais um ano de crescimento decepcionante, se não houver mesmo um novo recuo do PIB, como vivenciamos em 2015 e 2016.
Esse cenário de prolongada estagnação tem evidentes reflexos sobre o emprego e a renda, fazendo com que seja muito difícil que haja qualquer recuperação alavancada pelo consumo das famílias. Mesmo os ainda empregados tendem a ser mais cautelosos, por receio do desemprego. Decisões de consumo são adiadas, sempre que possível, em favor de uma redução do endividamento ou do reforço das reservas pessoais.
A falta de crescimento econômico também impacta diretamente na arrecadação de tributos. A situação fiscal, quer da União, quer dos entes subnacionais, já deteriorada, vai se agravando ainda mais. Os gastos obrigatórios do governo não são facilmente compressíveis, sendo que os gastos previdenciários, com ou sem a aprovação da reforma tal qual proposta pelo governo, continuarão crescendo nos próximos anos. Assim, não é difícil prever que, dadas as limitações impostas pelo teto constitucional, os gastos discricionários, como os investimentos – que já estão em um patamar historicamente baixo – continuarão sendo deprimidos.
O comércio exterior vem dando mostras de retração desde o início do ano. Segundo dados do MDIC, o saldo comercial do ano, até a segunda semana de abril, está 9,2% menor que o do mesmo período no ano passado, com os mesmos 71 dias úteis. Às “caneladas” na política exterior do presidente da república e seus exóticos chanceleres – o de jure e o de facto – adicionam-se o cenário de guerra comercial entre as duas grandes potências, os colapsos das economias venezuelana e argentina – dois de nossos grandes compradores no passado recente – e o baixo crescimento da zona do euro, entre outras questões. O quadro não permite qualquer previsão otimista, muito pelo contrário.
Mesmo com o empenho do governo Temer – que aparentemente o governo Bolsonaro tentará aprofundar – em reduzir o custo do trabalho e preservar as margens de lucro, os empresários não se animam a contratar trabalhadores e muito menos a investir. As empresas em geral podem aumentar sua produção, se necessário, sem investimentos, devido à alta capacidade ociosa. E dadas as perspectivas para o consumo das famílias, as decisões de investimento vão sendo postergadas, à espera de momento mais favorável.
Em resumo: vindo do consumo das famílias, das exportações ou do investimento – público ou privado –, não há sinais no horizonte que indiquem um impulso para tirar a economia brasileira do atoleiro em que está desde 2015.
O mercado e seus porta-vozes, na academia e na imprensa, apostam todas as suas fichas na reforma previdenciária. Mas, mesmo na hipótese improvável de que a proposta seja aprovada na íntegra, o espaço fiscal que o governo espera obter levaria alguns anos para se concretizar. Para reanimar uma economia exangue tal como a nossa se encontra, haja bafejo da “fada da confiança”, para utilizar a feliz expressão do laureado economista Paul Krugman.
Agora se soma a esse cenário econômico desanimador o de balbúrdia institucional generalizada. O sistema jurídico-policial está envolvido numa guerra de todos contra todos, onde a corporação policial, o Ministério Público e os tribunais superiores, mais a Lava Jato – que aparentemente quer tornar-se um poder autônomo, inclusive com orçamento próprio – buscam sobrepujar os demais, com a finalidade de obterem para si mesmos mais vantagens e mais poder. O próprio Supremo Tribunal Federal, a quem caberia o papel de árbitro, está envolvido no conflito até a garganta. Permitiu, desde o processo do assim chamado mensalão, toda sorte de abusos de poder, sempre que direcionados a um dos lados do espectro político. Agora que o arbítrio bate à sua porta, tenta afirmar-se usando medidas tão autoritárias como desastradas, como a censura prévia, expressamente proibida pela Carta Constitucional.
Juntam-se a esse caldeirão um Congresso Nacional tão ou mais fisiológico que os anteriores – desta vez com a maior coleção já vista de delegados fulano, sargentos sicrano e capitães beltrano – e um poder executivo paralisado pelas lutas entre suas facções internas, tentando impor à sociedade pautas econômicas impopulares e desperdiçando energia com questões ideológicas ou irrelevantes.
O desemprego e o desalento vêm avançando, os serviços públicos estão sendo comprimidos até o colapso por uma agressiva política austericida e as políticas-chave que o governo tenta aprovar – reforma da previdência e pacote anticrime – conduzirão a mais desgaste da popularidade do presidente, que já ostenta os piores níveis de aprovação para um governo em seu início, desde 1995. Tudo isso aponta para o crescimento da inquietação social.
Insatisfação social em alta, instituições inoperantes e economia inerte. Tal combinação produz um quadro muito favorável à adoção de saídas autoritárias, como vem advertindo analistas atilados, como o governador do Maranhão, Flávio Dino. O quadro é tão opaco que é impossível arriscar previsões, mas a extrema direita, nas redes sociais e nas corporações, vem demonstrando desenvoltura.
A esperança é que seja despertada na sociedade a necessidade de busca do entendimento, de uma espécie de pacto social que aponte saídas negociadas para o duradouro impasse que vivemos. Alguns apoiadores de primeira hora do governo já percebem que o aprofundamento do austericídio conduziria a um beco sem saída. Empresários, jornalistas e economistas neoclássicos começam a alertar para a necessidade de se conter o avanço sem freios do rentismo e do abismo social que se vai aprofundando. Implantar reformas tão antipopulares a ferro e fogo poderia conduzir a um grave esgarçamento do tecido social, aí sim de consequências imprevisíveis.
Não é muito, mas é a esperança que existe. Uma longa e difícil resistência nos espera. Oxalá encontremos as melhores soluções para esta que é a mais longa crise econômica de nossa História.
*André Luiz Passos Santos é economista, mestre em História Econômica pela USP.