Até o fim do ano, os acidentes e doenças ocasionados no ambiente ou em decorrência de atividades de trabalho deverão gerar prejuízo de cerca de R$ 4 bilhões às empresas e cofres públicos brasileiros. De janeiro até agora, mais de R$ 1 bilhão já foram pagos em benefícios acidentários pela previdência brasileira.
Os dados são citados pelo jornal Carta Campinas, citando como fonte o Ministério Público do Trabalho (MPT), que destaca que tal prejuízo é consequência da falta de boas estratégias e práticas de prevenção à segurança e saúde do trabalhador nas empresas.
Os números alarmantes não são exclusividade brasileira: de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, dos cerca de 2,34 milhões de acidentes mortais de trabalho que ocorrem globalmente a cada ano, mais de 2,02 milhões são causados diretamente pelas atividades realizadas sem proteção adequada ou de forma indevida, além de doenças relacionadas às funções dos trabalhadores.
No ranking mundial de acidentes e doenças do trabalho, o Brasil ocupa a 4ª posição, com média anual de 2.503 óbitos, conforme a OIT. Neste âmbito, especialistas da área de Segurança e Saúde do Trabalho ressaltam que o mais importante é investir em prevenção.
Para tanto, a tecnologia pode ser um forte aliado. É o que explica o engenheiro Rogério Balbinot, presidente da ARES, membro dos Grupos de Trabalho do eSocial (GT-Confederativo e GT-FENACON) e conselheiro da Câmara Especializada de Engenharia de Segurança do Trabalho CREA/RS, além de diretor e fundador da RSData, empresa especializada em software de gestão de SST.
Para Balbinot, a principal falha de estratégias desta área, ou mesmo de softwares direcionados a seu gerenciamento, é iniciar pela medicina. “O correto é começar pela segurança, e não pela saúde. Se as questões de segurança, de prevenção e conformidade, estiverem todas cumpridas, serão minimizados os riscos à saúde, e isso criará um ciclo virtuoso para os profissionais, para a empresa e para os entes de governo envolvidos nesta gestão”, comenta.
O engenheiro explica que, até pouco tempo atrás, a área de SST da maioria das empresas era gerida com base em planilhas de Excel. Nas corporações maiores, com ambulatório, o médico praticava medicina clínica e ocupacional, tendo como base os cargos e agentes definidos nas planilhas, o suficiente apenas para compor o Atestado de Saúde Ocupacional (ASO).
Um quadro que começou a evoluir a partir de 2004, quando se instituiu o PPP e as companhias notaram maior necessidade de levantamento de riscos e agentes. Foi então que entraram em cena os softwares de gestão de SST, que passaram a funcionar integrados às áreas de RH, Medicina e Segurança.
“Mas RH estava ligado à medicina, primeiramente, e só depois à segurança, quando o correto seria o contrário. A história do sistema de SST começa invertida. Gerir primeiro a medicina e depois a segurança é como comprar um edifício pela beleza, mas não avaliar sua infraestrutura. Se esta for falha, tudo vai ruir cedo ou tarde”, comenta Balbinot.
O especialista destaca que, tendo a segurança em primeiro lugar, as empresas partirão da mensuração dos agentes potencialmente prejudiciais, identificação e quantificação destes, passando disto a um monitoramento de quem trabalha com tais itens.
Com estas informações em mãos, o médico poderá melhor definir os exames necessários para cada profissional, bem como a periodicidade com que devem ser feitos, e a saúde das equipes estará melhor preservada.
Além disso, identificar os agentes antes de tudo permite fazer trocas inteligentes. “Se for possível, posso trocar um produto nocivo por um inerte, e desta forma não precisarei sequer acionar a medicina”, destaca o engenheiro.
Outro erro comum, segundo Balbinot, é alimentar o software de SST com dados imprecisos ou equivocados. Normalmente, as medições e análises são feitas nas empresas por um profissional, conferidas e validadas por outro e inseridas no sistema por um terceiro, gerando possibilidades de erros.
“Um profissional mede, por exemplo, o nível de ruído no chão de fábrica. O engenheiro revisa o trabalho deste e passa a planilha de anotação para um terceiro, que passa para o sistema de SST sua leitura, que pode nem sempre estar correta. Confundir uma letra, um número, pode gerar inconformidades”, alerta o especialista.
Seguindo o exemplo dado pelo engenheiro, digamos que o técnico que mediu o ruído registrou 79 decibéis, marca abaixo do nível máximo permitido. Entretanto, ao digitar os dados no sistema, a pessoa encarregada leu 99. Tal medição estará acima do limite e colocará a empresa em situação de risco perante a fiscalização.
Em casos como este, o software tem de estar preparado para dar o alerta sobre o dado passível de penalização, dando às empresas a chance de conferir e, se necessário, alterar a informação, evitando complicações com os órgãos fiscalizadores.
Um processo que é vital, por exemplo, nas ações de compliance quanto ao e-Social. O sistema do governo é pautado por regras e limites, e cabe às empresas repassar informações corretas, validadas, para evitar sofrer penalizações desnecessárias.
Também é falho na questão dos sistemas de SST o atendimento às legislações. Isto porque muitos softwares aplicados a esta área não são produzidos por empresas especializadas, e sim por fornecedores de sistemas de gestão.
“A complexidade do ambiente legislativo brasileiro sobre SST exige softwares concebidos por especialistas, já que são duas legislações diferentes a cumprir”, explica Balbinot.
Ele se refere a uma legislação do Ministério do Trabalho, que tange à insalubridade e periculosidade como adicionais que as empresas são passíveis de pagar aos empregados; e outra, da Previdência (INSS), que determina um rol de agentes nocivos passíveis de caracterizar aposentadoria especial – neste caso, o pagamento das empresas é feito para o governo e se reverte em benefício de aposentadoria para o empregado no futuro.
Softwares não especializados podem incorrer em confusões no atendimento a estas legislações.”Com uma solução focada em SST, as empresas têm mais recursos para automatizar a gestão de acordo com todas as legislações vigentes, entrando em conformidade com estas e com o e-Social”, finaliza o especialista.
Revista Exame, 03 de julho de 2018