A jornalista inglesa Fiona Edwards*, entrevistou o professor Elias Jabbour, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e membro da direção nacional do PCdoB, que falou sobre os impactos no Brasil, na América Latina e no mundo da eleição do presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro. Para Jabbour, “o Brasil é vítima do governo mais anti-nacional e anti-social da história da América Latina”.
Fiona Edwards – Qual o impacto dos primeiros oito meses de Bolsonaro no poder e na vida dos brasileiros?
Elias Jabbour – O impacto foi muito grande. Bolsonaro não tem um programa para reduzir as altas taxas de desemprego. Há uma imensa pressão sobre movimentos sociais, sindicatos e o pensamento crítico. A economia está em recessão técnica desde o último trimestre. A violência policial segue uma curva ascendente.
O Brasil é hoje um laboratório de políticas econômicas ultra-neoliberais. Estamos vendo que o mercado de trabalho está desregulamentado, que os trabalhadores pobres têm dificuldades para se aposentar e que a participação dos salários no PIB está caindo.
Foi lançado um grande programa de privatização que inclui a venda de grandes empresas públicas/estatais lucrativas. O petróleo bruto do Brasil será leiloado a preços baixos para empresas estrangeiras.
O desrespeito de Bolsonaro pelo meio ambiente ficou claro nos recentes acontecimentos de incêndios na Amazônia. O Brasil é vítima do governo mais anti-nacional e anti-social da história da América Latina.
Bolsonaro emergiu de uma relativa escuridão e venceu a eleição em outubro de 2018 com 57 milhões de votos, atraindo 55% dos eleitores. Como Bolsonaro conseguiu um número tão grande de votos e até que ponto ele manteve sua coalizão de seguidores nos últimos oito meses como presidente?
A grande verdade é que o Brasil foi vítima de uma guerra híbrida orquestrada pelos EUA desde que o presidente Lula da Silva anunciou a descoberta da camada de óleo do pré-sal em 2006, extremamente valiosa. É o único local no mundo em que a estratégia de guerra híbrida de Trump tem tido muito sucesso.
A vitória de Bolsonaro é a história de um projeto de alienação do povo brasileiro contra a política e os políticos em geral, como o primeiro passo para o estabelecimento de um governo fascista e pró-imperialista no Brasil. Desde 2005, a mídia convencional realiza uma campanha contra a esquerda e a política em geral. A operação “Lava Jato” (uma ofensiva “anti-corrupção”), projetada nos EUA, foi o outro extremo deste projeto. A princípio, a Operação Lava Jato desacreditou toda a esquerda, mas quase todos os partidos de direita tradicionais no Brasil também foram afetados. Isso criou um vácuo político ao desacreditar os principais partidos políticos no Brasil. Bolsonaro levou essa onda anti-política para se eleger presidente da República. Apesar do desgaste nos últimos oito meses, o governo Bolsonaro ainda tem apoio entre 30% dos brasileiros.
Havia 47 milhões de votos para a esquerda, mas 47 milhões de votos contra Bolsonaro. Hoje, a esquerda é constituída por cerca de 100 deputados federais (de um total de 513 na Câmara dos Deputados) e por todos os governos estaduais do nordeste do Brasil. Existem muitas iniciativas na esquerda, mas ainda estamos no estágio de acumular forças. O eixo de gravidade na política nacional não está mais entre a ala direita versus a esquerda, mas entre as forças liberais (centro-direita) versus a extrema-direita liderada por Bolsonaro.
A esquerda tem um longo caminho a percorrer e muitas lutas pela frente antes que seja possível recuperar o governo central. O primeiro passo é a esquerda se unir em torno da defesa da democracia e da soberania nacional e ser o centro de uma ampla frente contra o fascismo. Sozinha, a esquerda não poderá chegar a lugar algum. Bolsonaro venceu a eleição presidencial depois que o candidato da esquerda, Lula da Silva, foi proibido de concorrer. Todas as pesquisas de opinião pré-eleitorais indicavam que Lula teria derrotado Bolsonaro se ele não tivesse sido preso por falsas acusações de corrupção em uma conspiração envolvendo o Departamento de Justiça dos EUA e o judiciário brasileiro.
Qual a importância da campanha para libertar Lula para a esquerda e para os movimentos progressistas no Brasil?
A campanha para libertar Lula é justa, correta e de grande importância histórica. Ele é o mais importante preso político do mundo. Sua situação é tão séria e injusta quanto a de Mandela nos tempos do apartheid na África do Sul. A campanha para libertá-lo faz parte da luta pela democracia e soberania nacional. É uma campanha absolutamente necessária. Mas também acontece que a campanha para libertar Lula é a única bandeira capaz de unir o inimigo – que tem muitas contradições em seu campo – contra nós, a esquerda. Portanto, a esquerda também deve promover uma frente ampla pela democracia e a soberania nacional. Essa frente ampla deve ser capaz de isolar Jair Bolsonaro.
As políticas ambientais destrutivas de Bolsonaro estão ganhando manchetes internacionais à medida em que incêndios devastam a floresta amazônica. O que você acha do apoio de Bolsonaro ao desmatamento e como a Amazônia pode ser salva?
A política de Bolsonaro é um instrumento a serviço do ódio. Ódio a índios, mulheres, homossexuais, negros, pobres, esquerdistas, cientistas e a própria ciência. É impossível entender a política ambiental de Jair Bolsonaro fora do contexto de sua visão de mundo que nega as conquistas da civilização. Salvar a Amazônia é um problema que os brasileiros devem resolver. Não acredito nas boas intenções de pessoas como [Emmanuel] Macron e [Angela] Merkel. A salvação da Amazônia passa pelo exercício da soberania nacional brasileira sobre esse território. As pessoas na Europa podem não entender, mas a luta entre Bolsonaro e Macron foi útil para a política de Bolsonaro de entregar a Amazônia às empresas americanas, porque ele pôde se apresentar como um falso nacionalista diante do povo brasileiro diante do Presidente da França imperialista.
O Brasil é o quinto maior país do mundo e a oitava economia mais importante. Qual é a política externa do governo Bolsonaro e que impacto você acha que terá outros três anos de governo de extrema direita no Brasil para a América Latina e o mundo?
O destino da política externa de Bolsonaro depende da próxima eleição presidencial nos Estados Unidos, em 2020. No caso de uma vitória de Trump, o Brasil continuará com um governo completamente subordinado aos interesses dos EUA, e uma grande fortaleza do fascismo no mundo e na América Latina. A derrota de Trump poderia isolar o governo Bolsonaro internacionalmente e acelerar seu desgaste.
A economia global está desacelerando e seu impacto no Brasil pode ser uma crise financeira, agravada pela política econômica neoliberal de Bolsonaro e uma queda nas importações da China no Brasil. O ambiente internacional não é muito favorável para Bolsonaro.
Como professor e estudioso da economia e do modo de desenvolvimento da China, o que você acha que a ascensão da China significa para o Brasil e a América Latina?
A ascensão da China significa que o Brasil e a América Latina têm uma alternativa real ao neoliberalismo. Oferece a possibilidade de maior integração econômica fora da órbita do imperialismo. É impossível imaginar a existência de governos progressistas na América Latina sem a existência da China socialista.
* Fiona Edwards, jornalista inglesa, escreveu para o portal Eyes on Latinoamerica
Vermelho, 10 de setembro de 2019