O Brasil ficou para trás em automação industrial nos dez anos entre 2008 e 2017, quando se olha para esse movimento na comparação internacional. Na opinião de especialistas, o País, com pequeno estoque de robôs industriais, terá dificuldade para ingressar na chamada 4ª Revolução Industrial (ou Revolução 4.0).
Segundo a consultoria Idados – que teve acesso aos últimos números divulgados pela Federação Internacional de Robótica (IFR, na sigla em inglês) –, o Brasil tinha 12.373 máquinas do tipo em 2017, apenas 0,6% dos robôs então instalados no mundo. O número põe o Brasil na 18ª posição no ranking das nações mais automatizadas. Hoje as três principais fornecedoras de robôs para o mercado brasileiro (Fanuc, ABB e Yaskawa) estimam que esse estoque gire em torno de 16 mil autômatos.
Além de pequeno para uma economia do tamanho da brasileira, a oitava do mundo, mais da metade desse estoque de robôs (54%) está concentrado na indústria automobilística. Restam poucas máquinas desse tipo – ou mesmo vácuos de automação – nos demais setores.
Robôs industriais são máquinas automáticas, reprogramáveis e capazes de realizar mais de uma atividade em pelo menos três eixos de movimento. Embora tenham surgido no final dos anos 1970, ainda estão no centro da Indústria 4.0. Esta prevê a integração e o refinamento das atividades dessas máquinas por meio de tecnologias como internet das coisas (IOT, na sigla em inglês), inteligência artificial e sistemas ciberfísicos – sistemas computacionais capazes de controlar objetos com precisão.
Na fronteira do desenvolvimento, estão os chamados robôs colaborativos (cobots), que convivem lado a lado com a mão de obra humana. Os cobots já existem em fábricas brasileiras, mas em iniciativas pontuais, quase sempre ligadas à verificação do padrão de qualidade de bens duráveis. Nem seus irmãos mais antigos, robôs tradicionais, que operam isolados por grades, são tão numerosos no Brasil.
A fragilidade brasileira fica mais clara quando observado o quesito densidade de robôs, razão entre o estoque e a população ocupada. O Brasil caiu da 34ª colocação em 2008 para o 41º lugar em 2017, chegando a 13,6 robôs para cada 10 mil trabalhadores, de acordo com a Idados. O índice médio do mundo está na faixa de 80, puxado pelos países desenvolvidos.
Em relação ao número absoluto de máquinas, embora tenha mantido a 18ª posição no ranking, o Brasil se distanciou definitivamente do pelotão dos cinco países com os maiores estoques de robôs (China, Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos e Alemanha). Cada um desses países possui, no mínimo, 200 mil robôs industriais, precisamente o estoque alemão, por exemplo.
O grupo concentra cerca de 75% do maquinário mundial, sendo liderado pela China, que ocupava a 6ª posição em 2008, mas saltou para o primeiro lugar isolado do ranking em 2017. Há dois anos, os chineses tinham 473 mil robôs em atividade, um quarto das máquinas autônomas do mundo e 211 mil a mais que os 262 mil robôs dos EUA.
O Brasil foi ultrapassado até por economias similares, como o México, que tomou a liderança na América Latina, com suas mais de 27 mil máquinas, cerca 64,3% dos robôs da região, ante os 29,5% do mercado brasileiro. Dez anos antes, as proporções eram inversas. Diretor-presidente da Idados, o matemático Paulo Oliveira afirma que o “boom” na automação mexicana se ancorou na transferência maciça de montadoras de veículos e fabricantes de autopeças dos Estados Unidos para o país vizinho, enquanto o Brasil manteve um ritmo estável, mas lento, de incremento na automação.
Executivos das fabricantes de robôs Fanuc e Yaskawa Motoman, do Japão, e ABB, da Suíça, afirmam que parte da letargia do estoque nacional estaria justamente ligada a quedas na produção de veículos no Brasil. Conforme dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a produção de veículos entrou em declínio em 2013 e nunca mais recuperou o nível daquele ano. O recuo teria impactado negativamente a renovação de maquinário e o lançamento de novas linhas.
“Sentimos o efeito da crise precocemente porque as encomendas surgem com anos de antecedência. No caso das linhas de modelos novos, acontecem até quatro anos antes”, diz Wagner Bello, gerente-geral da Fanuc para a América do Sul. “O encolhimento da produção de veículos prejudicou o volume dos investimentos brasileiros em automação desde 2010”, afirma.
Ainda assim, as três fabricantes de robôs mantiveram o ritmo de crescimento anual no País, com as vendas compensadas pela entrada de autômatos em outras indústrias, como a de alimentos e bebidas, farmacêutica e linha branca. A tendência é que as altas se mantenham. O “Guia Semestral Global da Investimentos em Robótica”, da consultoria IDC, prevê aumento 21% dos investimentos em automação na América Latina para 2019, um esforço de investimento de US$ 1,26 bilhão, dos quais 73% (US$ 924 milhões) serão alocados somente em robôs industriais.
As vendas da Fanuc para o Brasil cresceram, em média, 20% ao ano no período recente. A alta foi de 18% em 2018, quando a empresa chegou perto dos 8 mil robôs instalados no país, informou Bello. Daniel Diniz, executivo de vendas da ABB, afirma que a empresa assistiu a movimento semelhante. “A despeito da crise, havia – e ainda há – muitos pontos de automação a serem preenchidos na indústria brasileira, o que tem sustentado as importações de robôs”. Segundo ele, parcela considerável das máquinas que chegaram ao Brasil nos últimos anos executa tarefas de encaixotamento, paletização e transporte de carga.
Parte delas foi produzida pela Yaskawa Motoman, mesmo que seu foco ainda seja linhas de autopeças. O gerente-geral da Yaskawa no Brasil, Icaru Sakuyoshi, afirma que as vendas de robôs e soluções ligadas à organização de cargas aumentaram e representam cerca de 20% do negócio no Brasil. “Essa fatia só não é maior porque o mercado é pequeno no País. A robótica ainda não nasceu aqui, é embrionária.”
Sakuyoshi afirma que há investimentos em automação represados. Segundo ele, o principal empecilho à automação no Brasil é a falta de crédito a juros atraentes. “Na Alemanha, há linhas com taxa próxima de 1% ao ano para automação. No Brasil é 1% ao mês – e olhe lá.”
Tanto Bello, da Fanuc, quanto Diniz, da ABB, acreditam que o problema é anterior: faltaria cultura de automação na indústria brasileira. Oliveira, chefe da Idados, concorda: “A aplicação de robôs pressupõe mão de obra qualificada, com noção de gestão de processos e capacidade para operá-los, o que falta no Brasil”.
Valor Econômico, 30 de julho de 2019