Candidatos distorcem renda para garantir Bolsa Família

25 de fevereiro de 2013

Em Miracema do Tocantins (TO), numa enorme fila de espera para recadastramento do Bolsa Família, uma dona de casa diz, mesmo repreendida pelas colegas: “Parte da renda lá de casa eu não conto pra eles [prefeitura]. Sem esse dinheirinho, a gente não conseguiria nem comer”.

A dona de casa tem cartão do Bolsa Família e, como outros 13,8 milhões de famílias beneficiadas no país, teve de declarar a sua renda mensal para ter acesso ao programa.
As declarações de renda são registradas no Cadastro Único, banco de dados nacional das famílias de baixa renda utilizado pelo governo para erradicar a miséria -uma das principais bandeiras da presidente Dilma Rousseff para tentar a reeleição.
O cadastro é coordenado pelo governo federal e abastecido pelos municípios. Quem aparece listado com renda mensal de até R$ 140 por pessoa tem direito ao Bolsa Família. Acima disso, fica fora do programa.
No Tocantins, essa dona de casa só conversou com a reportagem sob a condição de anonimato. Mas relatos de subnotificação de renda são comuns. Assim como o de pessoas que, ao arrumar emprego, pedem para o empregador não fazer o registro na carteira para não correr o risco de perder o benefício.
Na fila, a dona de casa estava sentada ao lado da manicure Roseana Aquino, 34, que diz ter sido cortada do cadastro após declarar renda acima do limite. Agora ela tenta retomar o benefício. “É que o garoto [filho] está ficando cego de um dos olhos. Preciso de ajuda”, diz.
Na última quarta, em Miracema do Tocantins, já passava das 14h e ninguém da prefeitura havia aparecido para atendê-los. No mural de avisos, um papel apontava o início do expediente: 12h.
Na cidade, toda a operação de recadastramento das famílias pobres é acumulada pela coordenadora do Centro de Referência de Assistência Social, Meirevalda Santos.
Além de haver uma única funcionária para 1.800 beneficiários do Bolsa Família, não há os chamados entrevistadores, aqueles que deveriam fazer a averiguação “in loco” das informações de renda prestadas pelas famílias.
Naquele dia, faltaram até os formulários de preenchimento dos cadastros, documentos que seriam enviados pelo Ministério do Desenvolvimento Social.
AVALIAÇÃO
Apesar da aparente fragilidade do sistema, não há evidência de fraudes generalizadas no Bolsa Família. O programa costuma ser elogiado por pesquisadores independentes e já passou por algumas avaliações internas.
Em 2012, a Controladoria Geral da União fez um levantamento sobre a aplicação dos recursos. Concluiu que só 2,4% das famílias ganhavam acima da renda declarada. Outras 6,7% apresentavam indícios de renda superior à estipulada pela legislação.
Mesmo quando não há fraude, relatos sugerem como pode ser fácil burlar as regras. Em Lajeado (TO), com pouco menos de 3.000 habitantes e 240 famílias beneficiadas, a operadora do Cadastro Único, Deusirene de Souza, diz que já chegou a receber uma proposta de “mesada” de um candidato a beneficiário.
“Clamaram: ‘Pelo amor de Deus, te dou até uma porcentagem do que eu ganhar'”, afirmou. Deusirene recebe um salário mínimo pela função.
A aposentada Bernardina Oliveira, 59, lamenta ter perdido os benefícios “porque falou uma verdade de momento”. O filho dela, que é pai solteiro, estava trabalhando no instante do recadastramento. Mas, segundo ela, ficou desempregado logo depois. “Para mim, é injusto.”

 

Fonte: Folha de S.Paulo