Considerações sobre os honorários periciais após a reforma trabalhista

1 de agosto de 2018

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A denominada reforma trabalhista, que trouxe significativas alterações na vetusta Consolidação das Leis Trabalhistas, tanto na parte do dito direito material quanto no concernente ao Direito Processual do Trabalho, vem ensejando intensos e ricos debates a respeito.

Muitos são os aspectos em discussão, a ponto de ensejar alentado estudo quanto ao tema, ao que não nos atrevemos, porém, modestamente, a levantar questões sobre aspectos pontuais, como se faz nestas ligeiras considerações sobre os honorários periciais praticáveis no âmbito da Justiça do Trabalho, deixando claro a despretensão de solução, limitando-nos a contribuir com o debate, do qual, certamente, virá a luz.

O tema dos honorários periciais e de advogados é sensível na medida em que envolve figuras que o Direito Processual chama de auxiliares da Justiça ou do juízo, que, embora exercendo munus de interesse público, fazem-no em caráter privado de prestação de serviços, fazendo jus à retribuição pecuniária pelo trabalho. Deixamos claro, desde logo, que se trata de trabalho e, como tal, merecedor em nosso sistema de tutela constitucional, como se vê nos artigos 1º, IV e 170, ambos da Constituição Federal.

No que podemos chamar de texto “reformado”, o assunto é tratado nos artigos 798, A, B e C, e 790 e B. Também é objeto de regulação através da Resolução 232, 13/6/2016, do Conselho Nacional de Justiça; habemus legem, portanto. Urge, assim, entendê-la na forma de compreensão, com o significado que atribui ao termo o jurista Konrad Hess, para, daí, fazer a interpretação sistêmica, identificando sentido e alcance da norma, como soe acontecer ao aplicador do Direito.

Debruçando-nos sobre as normas em comento, vê-se no inciso IX do artigo 789-A: “Cálculos de liquidação realizados pelo contador do juízo – sobre o valor liquidado: 0,5% (cinco décimos por cento)até o limite de R$-638,46 (seiscentos e trinta e oito reais e quarenta e oito centavos)”, a seu turno, a Resolução 232/13, sabiamente, diga-se, atribui ao juiz o arbitramento, fixando critérios e exigindo fundamentação, o que é inerente à atividade jurisdicional, e, no parágrafo 1º do seu artigo 2º, estatui: “O pagamento dos valores de que trata este artigo e do referente à perícia de responsabilidade do beneficiário da justiça gratuita será efetuado com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal”. Mais adiante, no parágrafo 4º do mesmo dispositivo, prevê o reajuste anual, em janeiro, pela variação do IPCA-E.

É fundamental destacar, no exame dos dispositivos invocados, que o destinatário da norma é o agente do Estado integrante do Poder Judiciário, eis que o contador do juízo é servidor público regular e legalmente investido, integrante do quadro de servidores, mantido pela União, estado ou Distrito Federal, naturalmente remunerado pelo Tesouro. Ora, nesses casos, os emolumentos são recolhidos aos cofres públicos, para a cobertura, mesmo e ainda que simbólica, dos gastos. Não há pagamento ao contador do juízo; no caso concreto, é aquilo que o Direito Financeiro chama de ingresso público ou entrada, porque se incorpora às finanças públicas como receita.

Dois aspectos são importantes a assinalar.

O primeiro deles é que estamos diante de normas administrativo-financeiras do Estado, através das quais o poder público regulamenta as suas atividades e serviços, gozando da discricionariedade que lhe é constitucionalmente atribuída. Daí, seus efeitos não podem se projetar para o universo extrasserviço público, até por impropriedade e inadequação, além de conflito normativo intrassistêmico, como se verá adiante.

O segundo é que nessas hipóteses, pela própria natureza, estamos diante de dispêndios que consubstanciam despesa pública, estritamente regulada, sujeita à legalidade, previsão orçamentária, caso em que clara e iniludivelmente se impõe a aplicação da reserva do possível, porque o Estado não pode ir além da sua capacidade financeira e, também, não pode destinar recursos para uma finalidade em detrimento ou sacrifício de outras, igualmente de interesse público.

Releva notar que o Estado, na sua vida financeira, não gera recursos, porque nada produz, diversamente, busca a obtenção desses recursos junto à sociedade, através das figuras tributárias, sejam impostos, taxas ou contribuições, aos quais o cidadão está como sujeito passivo da obrigação de pagar, sob o fundamento da solidariedade social de que todos devem contribuir, na medida de suas capacidades, para custear os serviços públicos. Em essência, é a sociedade e o cidadão que suportam os encargos dos serviços públicos que recebem, inclusive o serviço jurisdicional. Dessa forma, é imperativo reconhecer as imposições de limitações, ainda que severas, como meio de garantir a equalização dos gastos e, consequentemente, a compatibilidade com a capacidade financeira disponível.

Como se está a ver, tais normas se aplicam nos casos de assistência judiciária gratuita, nos quais o Estado assume integralmente os custos da prestação dos serviços, diante da incapacidade do beneficiário.

Resta claro que a normatividade invocada não pode ser aplicável, por sua própria natureza, aos auxiliares privados do juízo, os peritos, quando nada, porque o exercício da atividade autônoma não está disciplinado pela lei trabalhista, e, ainda, como versa sobre profissões regulamentadas e dotadas de estatuto jurídico próprio, inclusive com órgãos fiscalizadores de exercício investidos de prerrogativas legais, não podem ser alcançados pela lei trabalhista ordinária, sob pena de termos pluralidade estatutária, com uma regulamentação que se poderia denominar de geral ou genérica, em relação às atividades profissionais comuns e àqueles serviços prestados não ao, mas junto ao serviço público, cabendo destacar que o beneficiário final da atividade é a parte, portanto, o particular, e não o Estado.

Noutras palavras, não se vislumbra acolhimento pelo sistema de regulação ambígua e que resulta, como salta à vista, discriminatória, além de maneira sutil e dissimulada, como os olhos da Capitu machadiana, de desvalorização do trabalho, em afronta direta a mandamento constitucional, que é em sentido oposto. Seria admitir que o Estado impõe de forma cogente a desvalorização e aviltamento do trabalho de uns, em benefício de outros, o que seria legalizar enriquecimento sem causa, pelo aviltamento e desvalorização daqueles que auxiliam a Justiça, como os peritos, ou que são essenciais a ela como o advogado.

Não bastem esses fundamento de ordem jurídica, a nosso modesto ver sólidos, há a considerar, também, as consequências de ordem prática, porque, deixando de compensar ao perito prestar serviços junto ao Judiciário, haverá o afastamento deles, ou da despriorização no atendimento, alongando os processos no tempo, atingindo o direito fundamental de “razoável duração do processo”, como será inelutável.

É de ver-se, ainda, e por derradeiro, que a litigiosidade imperante entre nós, se de um lado tem demanda reprimida pela dificuldade de observância de lei, o que é elemento gerador de conflitos, é de se considerar, também, que o litígio pelo litígio, a postulação aventureira, a alegação graciosa são inaceitáveis desde sempre pelo Direito, seja porque o processo não pode ser aventura temerária e irresponsável, seja porque demandar a prestação jurisdicional dessa forma é lesivo à sociedade, já que obriga a dispêndio com a máquina pública, sem finalidade nem objetivo legítimo, desperdiçando recursos e, assim, provocando a escassez para as necessidades de outrem. Ademais, é imperiosa a existência da responsabilidade ao demandar, o que justifica que aquele que dá causa às diligências, providências e trabalhos que podem ser evitados ou diminuídos, deve, obrigatoriamente, suportar o ônus de suas escolhas, sob pena de comprometer-se a finalidade das coisas sustentadas pela sociedade, com a banalização das ações estatais, e mesmo do Direito em si.

Bem andou, dissemos antes o Conselho Nacional de Justiça, quando estabeleceu os critérios objetivos a serem adotados pelo juízo ao fixar honorários, remetendo ao que ensina a doutrina tradicional como sendo prudente arbítrio judicial, a fixação, e, assim, observados os critérios e fundamentada a decisão, o limite sugerido pode ser ultrapassado sem violação à lei. Além disso, a regulamentação consiste em disciplinar a aplicação de lei, sendo vedado inovar ou alterar, ampliar ou reduzir efeitos, até porque as normas derivadas do exercício do poder regulamentar, obrigatoriamente, estão inseridas ao sistema jurídico, ajustando-se e conformando-se a ele, sob pena de se admitir desfazimento de sistematização, característica inerente e essencial à ordem jurídica.

       

Conjur, 01 de agosto de 2018