Presidente do órgão pede servidores de volta aos postos sob pena de ‘inviabilização’ de seu funcionamento
A exoneração em massa de servidores anunciada pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), com o objetivo de “despetizar” o governo, paralisou o trabalho da Comissão de Ética Pública (CEP), vinculada à Presidência da República.
A demissão, que foi publicada no Diário Oficial como um dos primeiros atos do novo governo, esvaziou o órgão: 16 funcionários foram desligados de uma equipe formada por 17 pessoas.
A comissão, criada em 1999, serve para dar consulta e analisar o comportamento de agentes públicos.
O colegiado pode propor mudanças de conduta e também sugerir penalidades para quem não segue regras do ponto de vista ético, incluindo ministros.
Em um ofício enviado na última sexta (4) ao secretário-executivo da Casa Civil, Abraham ?Weintraub, o presidente da CEP, Luiz Navarro, reclamou da medida.
“O retorno de todos os servidores em exercício na Comissão de Ética Pública aos seus órgãos de origem inviabiliza o funcionamento da Comissão”, escreveu no texto, obtido pela Folha —os funcionários da comissão são cedidos por outros órgãos da administração.
Navarro pediu a nomeação de todos os funcionários de volta aos seus postos.
A paralisação do órgão ocorre em um dos momentos mais delicados, o início de um novo governo, quando a comissão precisa analisar uma série de documentos.
Na transição entre mandatos, a equipe tem a responsabilidade de avaliar, por exemplo, potenciais conflitos de interesses envolvendo membros da administração, especialmente ministros, mas também comissionados, dirigentes de estatais, autarquias e fundações.
Ao mesmo tempo, o grupo tem de examinar também a necessidade de impor quarentena àqueles funcionários públicos que saíram e estão indo para a iniciativa privada.
“Neste momento, encontramo-nos em elevado grau de sobrecarga de trabalho”, escreveu Navarro ao secretário-executivo da Casa Civil.
Uma reunião foi marcada para esta terça (8) para tratar do assunto.
Desde a demissão em massa até agora, conselheiros da Comissão já tentaram de outras formas interlocução com o governo, mas não tiveram sucesso.
Internamente, conselheiros defendem que não há motivo para desligamento dos funcionários, já que não haveria questões ideológicas envolvidas, e que a atitude de Onyx representa uma afronta à autonomia do órgão, o que seria motivo até para abertura de um procedimento de análise de sua conduta.
A CEP é formada por sete conselheiros não remunerados, todos eles escolhidos pelo presidente da República em exercício, para mandatos de três anos, permitida apenas uma recondução.
Autor do esvaziamento na Esplanada, Onyx é investigado pela Procuradoria-Geral da República, que é a instância máxima do Ministério Público, por dois supostos episódios de recebimento de caixa dois em campanhas eleitorais.
Antes ligada administrativamente à Casa Civil, neste governo a Comissão de Ética passa à Secretaria-Geral da Presidência, sob o comando de Gustavo Bebianno, um dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro.
Onyx Lorenzoni não respondeu ao questionamento enviado pela reportagem. O presidente da Comissão disse à Folha que não se manifestaria.
Entre outros episódios, a CEP recomendou em 2011 a saída do então ministro do Trabalho Carlos Lupi (PDT) durante o governo de Dilma Rousseff (PT). O posicionamento do órgão foi a gota d’água em meio a uma série de denúncias de irregularidades do político na pasta.
Ele foi o sétimo ministro a perder o cargo no primeiro ano da petista como presidente.
Em caso da constatação de infração, a comissão pode emitir advertência, quando se tratar de autoridade no exercício do cargo, censura ética, para autoridades que já tiverem deixado o cargo, e “encaminhamento de sugestão de exoneração à autoridade hierarquicamente superior, quando se tratar de infração grave ou de reincidência”.
Como mostrou a Folha nesta segunda-feira (7), o anúncio de Onyx Lorenzoni trouxe impactos negativos à gestão de Jair Bolsonaro.
A medida desarticulou momentaneamente o corpo técnico do Palácio do Planalto e prejudicou a análise sobre se a decisão tomada pelo presidente, de prorrogar até 2023 benefícios fiscais para as regiões Norte e Nordeste, teria impacto no Orçamento de 2019.
No primeiro dia de trabalho como ministro, Onyx anunciou que o governo federal demitiria cerca de 320 funcionários em cargos de confiança vinculados à Casa Civil.
O ministro afirmou na ocasião que o objetivo era submetê-los a uma espécie de avaliação para definir se serão recontratados para os postos.
Folha de S.Paulo, 09 de janeiro de 2019