Em Davos, Nobel de Economia diz que ‘O Brasil merece alguém melhor’

23 de janeiro de 2019

Foi péssima, para não dizer constrangedora, a repercussão do discurso do presidente Jair Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Bolsonaro chegou com a expectativa de ser o “grande astro” do evento, mas terminou sua estreia carimbado como um presidende medíocre. “O Brasil é um grande país. Merece alguém melhor”, disse o americano Robert Shiller, prêmio Nobel de Economia. “Ele me dá medo”, insistiu.

 

 

 

O presidente Jair Bolsonaro foi um campeão de brevidade em sua apresentação no Fórum Econômico Mundial de Davos. Foram seis minutos para leitura de um discruso escrito e mais oito minutos para responder com frases curtas às perguntas benevolentes do fundador e presidente do Fórum, professor Klaus Schwab. 

A organização do evento havia reservado 45 minutos para o presidente brasileiro —um dos únicos chefes de Estado do G20 presentes em Davos — se pronunciar e apresentar à elite financeira mundial o “novo Brasil” agora governado pela extrema-direita.

Analistas de política internacional foram unânimes em apontar uma desagradável surpresa não só com a brevidade do discurso mas também com seu conteúdo raso e genérico. 

A jornalista chefe de economia do jornal americano Washington Post, Heather Long, disse que Bolsonaro prometeu um “novo Brasil”, com menos impostos e mais comércio, falou em proteger o ambiente e criticou a imprensa, dizendo ser tratado de forma injusta. Em um segundo twit, ela concluiu: “Para resumir: o presidente brasileiro Bolsonaro falou por menos de 15 minutos. Grande fracasso. Ele tinha o mundo inteiro o assistindo e o melhor que conseguiu dizer foi para as pessoas passarem férias no Brasil. Ele é chamado de ‘Trump da América do Sul’, mas pareceu fraco”

Ben Marlow, do periódico britânico Daily Telegraph disse que “é justo dizer Bolsonaro não cumpriu as expectativas. Bastante apático, um discurso engessado que durou menos de 15 minutos, que pareceu extremamente editado e que passou voando por uma longa lista de promessas já feitas. Não consigo imaginar ele sendo convidado de novo em um futuro próximo”.

O editor-chefe da prestigiada revista Americas Quarterly, Brian Winter, disse que “o discurso de Bolsonaro em Davos foi muito mais curto do que o esperado, não mencionou a reforma da previdência, não deu detalhes nem quando perguntado. ‘Nunca vi nada parecido em se tratando de presidentes por aqui’, me escreveu um amigo. ‘Realmente bizarro’.

 

Nobel de Economia: “Brasil merece alguém melhor”

“O Brasil é um grande país. Merece alguém melhor”, disse o americano Robert Shiller, prêmio Nobel de Economia. “Ele me dá medo”, insistiu. Professor na Universidade de Yale, Shiller ficou conhecido por ter previsto a crise no setor imobiliário dos Estados Unidos, que desencadeoua crise global de 2008.

O americano lembrou que também ouviu um discurso moderado por parte de Donald Trump, presidente dos EUA. “Vi Viktor Orban (presidente da Hungria) em um discurso e ele também parecia moderado e razoável”, apontou. Após tecer vários comentários surpreendentes a respeito de lideranças mais à direita no mundo, incluindo Bolsonaro, ainda rindo disse: “Eu tenho que parar de falar. Não posso falar sobre o Brasil de novo”.

Um banqueiro alemão, que não quis ser identificado, reclamou da falta de informações. “Ele deu manchetes. Mas nós queremos detalhes”, insistiu. “Talvez não haveria como pedir mais dele”, ironizou.

 

Agenda limitada

Não foi apenas o discurso de Bolsonaro que está sendo visto como raso. A agenda do presidente também é bastante limitada.

Bolsonaro não cansa de repetir — de forma evidentemente enganosa — que sua política externa não terá viés ideológico, Mas na primeira oportunidade de apresentar um Brasil “sem amarras ideológicas”, o presidente Jair Bolsonaro concentrou sua agenda bilateral em Davos em encontros exclusivamente com governos conservadores, nacionalistas e que fazem parte de um movimento que contesta o que chamam de “globalismo”.

Na quarta-feira, 23, Bolsonaro vai se reunir com o governo da Itália, liderado pela extrema-direita e com um forte discurso anti-imigração.

Bolsonaro ainda se reunirá com o presidente da Polônia, Andrzej Duda, alvo de polêmicas por ser acusado de violar a constituição de seu país para escolher seus próprios juízes da Suprema Corte. Ele também manobrou para assinar uma lei em que passaria a ser ilegal acusar a “nação polonesa” por cumplicidade no Holocausto. 

A agenda inclui reunião com o primeiro-ministro da República Tcheca, Andrej Babis. Ele é um forte crítico da abertura de fronteiras para imigrantes e insiste que é contra o euro. 

Outro encontro bilateral de Bolsonaro no dia 23 será com o presidente da Suíça, Ueli Maurer, que lidera o partido de direita no país. Maurer é do Partido do Povo Suíço que, há poucos anos, criou uma polêmica internacional ao fazer uma publicidade sugerindo que as ovelhas brancas chutassem para fora da Suíça as ovelhas negras. 

O encontro tem sido alvo de debates, já que partidos políticos de centro e esquerda querem garantias de que Maurer também tratará de temas como meio ambiente, democracia e direitos humanos com Bolsonaro. Justamente os três temas para os quais o presidente brasileiro tem as piores respostas possíveis para dar.

 

Sozinho no bandejão

A agenda limitada de Bolsonaro em Davos ganhou uma imagem que certamente fará parte da galeria de imagens icônicas de sua gestão, mas por um motivo bastante questionável: numa provável tentativa de vender-se como “homem simples”, Bolsonaro decidiu almoçar em um self-service de supermercado antes de pronunciar seu discurso e foi fotografado numa cena em que aparece isolado, como se estivesse almoçando sozinho. 

A imagem contrasta fortemente com a expectativa de que ele seria recebido como “astro” em Davos. Seus apoiadores, claro, compraram o discurso de “homem simples”, mas a imprensa que não tem nenhum compromisso com esta estratégia tosca de marketing já elencou a foto ao lado de uma outra igualmente constrangedora de outro presidente brasileiro: a de Michel Temer escanteado na foto oficial da reunião de 2016 do G20, na China.

 

Vermelho, 23 de janeiro de 2019