Para Pedro Paulo Teixeira Manus, as mudanças poderiam ser sido mais eficientes.
Essa foi a tônica do Seminário Internacional 30 anos da Constituição Cidadã e Um Ano da Reforma Trabalhista.
Especialistas brasileiros e estrangeiros apresentaram suas reflexões sobre as mudanças nas relações de trabalho, as reformas trabalhistas promovidas em diversos países e os aspectos constitucionais da matéria nesta terça-feira (9), segundo dia do Seminário Internacional 30 anos da Constituição Cidadã e Um Ano da Reforma Trabalhista. O seminário é uma parceria entre a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT).
Dilemas
Em palestra proferida pela manhã, o juiz auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho e da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistrados do Trabalho (Enamat) Homero Batista Mateus da Silva falou sobre os “Os Dilemas da Reforma Trabalhista em Face do Constitucionalismo Contemporâneo”. Ele traçou a evolução histórica dos conceitos de trabalho e de cidadania até os dias atuais e ressaltou a necessidade de evitar que esses dois conceitos sejam desassociados. “Não podemos esmorecer e deixar que o legislador faça o que está divorciado da realidade”, disse.
Crise
Também na manhã de terça-feira, o professor uruguaio Hugo Barretto Ghione, da Universidad de la República, apresentou a palestra “O Futuro do Trabalho e o Trabalho do Futuro diante do Reformismo Jurídico na Crise”. Ele fez uma retrospectiva da construção do mundo do trabalho pelo Direito e falou sobre as respostas do mundo do Direito em relação ao trabalho atual. Para o palestrante, o mercado e o Direito encontram-se em constante e dinâmica tensão.
Ghione disse que, quando muda o modelo de trabalho, deve-se mudar necessariamente o Direito do Trabalho, cuidando-se para que este não seja apenas um fator a mais do mercado de trabalho. Citando a reforma trabalhista brasileira, o professor observou que proliferam reformas que promovem atipicidades das formas contratuais de trabalho, mas sem o sentido protetor da pessoa que trabalha. “São reformas que desconhecem a essência mínima de Direito do Trabalho e que atentam contra ele”, afirmou.
Segundo o professor, o argumento de que é necessário reduzir direitos e proteção social para gerar empregos é “uma formulação absolutamente fracassada do ponto de vista do emprego. “Talvez pelo ponto de vista da rentabilidade ou da competitividade seja possível termos uma melhor opinião sobre a reforma, mas não do ponto de vista do Direito do Trabalho”, concluiu.
Indústria 4.0
Segundo a professora Teresa Alexandra Coelho Moreira, da Escola de Direito da Universidade do Minho (Portugal), o tema da sua apresentação – “Indústria 4.0 – O Futuro do Direito do Trabalho – está mais relacionado às novas tecnologias, mas é preciso lembrar que o Direito do Trabalho surgiu como ramo autônomo com a Revolução Industrial, que também foi uma revolução tecnológica. Na nova era tecnológica que vivemos, é necessário repensar o Direito do Trabalho sem, no entanto, esquecer a sua razão de ser. “Temos de repensar conceitos tradicionais da própria subordinação. O fator chave é que surgem novas formas de prestação de trabalho na economia corporativa, que parece ter criado uma linguagem própria na tentativa de fugir ao Direito do Trabalho”, afirmou.
Como exemplo, a jurista citou os serviços online. “Aí a concorrência é global e pode nos conduzir (e infelizmente tem nos conduzido) a uma espiral descendente que não é nada positiva para o Direito do Trabalho nem para o trabalhador”, sustentou. A professora observou que parece existir um aplicativo para tudo, desde a entrega de comida até a procura de um advogado especialista numa causa. “Nesse cenário, o Direito do Trabalho ou é internacional ou não sobrevive”.
Teresa Moreira lembrou que os perigos da automatização acompanham o Direito do Trabalho há décadas, mas agora surgiu com novas roupagens, entre elas a inteligência artificial. Segundo ela, o fator que contém a automatização não é apenas econômico, mas também social e psicológico, além das resistências culturais. “O Direito do Trabalho é para as pessoas, com fundamentos éticos e humanísticos que não podem ser esquecidos ou suspensos provisoriamente”, concluiu.
Direitos sociais
O procurador regional do Trabalho, Cristiano Paixão, em sua exposição, afirmou a centralidade do mundo do trabalho na construção da Constituição de 1988. “Com base em demandas de participação, reconhecimento, igualdade e inclusão, a sociedade e os atores sociais ligados ao trabalho investiram no processo constituinte”, afirmou.
Na sua avaliação, a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) consistiu em ataque aos direitos sociais conquistados. “Ninguém afasta a necessidade de modernização, mas a forma e o conteúdo do texto nos trazem um abandono dos princípios que informam a Constituição Federal: valor social do trabalho, dignidade da pessoa humana e participação plural da sociedade na formulação das leis”.
Para superar a crise, ele afirma que os operadores do Direito devem ativar esses princípios e regras para defender a sociedade, as pessoas e as instituições, como a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho. Ao fim da palestra, o procurador destacou que a Carta Social das Américas, aprovada em 2012 pela assembleia-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), prega que a promoção e a observância dos direitos econômicos, sociais e culturais são inerentes ao desenvolvimento integral, ao crescimento econômico com igualdade e à consolidação da democracia nos Estados do hemisfério. “Não existe democracia, especialmente em países desiguais como o Brasil, sem promoção e inclusão de direitos ligados ao trabalho, sem inserção de garantias ao trabalhador e sem um arcabouço institucional de proteção”, concluiu.
Matriz humanista
O ministro Mauricio Godinho Delgado, do TST, ressaltou que, em meio a princípios que destacam a pessoa humana e a sociedade democrática e inclusiva, a valorização do trabalho tem grande ênfase no constitucionalismo brasileiro. “As regras, normas e princípios da Constituição que afetam o Direito do Trabalho consistem em uma matriz constitucional de valorização da pessoa humana e do trabalho, colocando-os no centro da ordem jurídica”, afirmou.
Por outro lado, o ministro alertou que há um processo de desgaste do paradigma humanista e social da Constituição e uma clara tentativa de enxergar os direitos sociais como populismo, demagogia ou como inviáveis para a economia. “Esse processo é mercantilista e ultraliberalista. Direitos sociais são conquistas civilizatórias, e não custos”, concluiu.
Flexibilidade
Para o professor associado de Direito da Universidade de Coimbra João Leal Amado, a palavra “flexibilidade” é a mais proferida quando os países querem realizar reformas em suas leis trabalhistas. “A reforma brasileira, embora tenha princípios similares, foi muito mais radical que a portuguesa ou outras feitas na Europa, pela quantidade de normas modificadas e pela profundidade das modificações”, afirmou. “A maneira como foi feita, tão rápida e com tão pouca discussão, seria impensável nos moldes europeus”. Para o professor, é possível modernizar a legislação, mantendo-se fiel aos princípios clássicos e fazendo compensações aos trabalhadores.
Capitalismo
O professor da Universidade de São Paulo Alysson Leandro Mascaro também trouxe uma abordagem mais sociológica sobre as reformas trabalhistas que têm ocorrido pelo mundo. Mascaro acredita que, em regra, “quem defende os direitos do trabalhador é o próprio trabalhador”.
Segundo ele, a questão trabalhista atinge todos os países capitalistas. “Não é que o capitalismo de vez em quando tem crise. O capitalismo é crise todos os dias e em todos os momentos. Não se pode imaginar que uma sociedade de exploração seja minimamente estável”, ressaltou.
Mascaro destacou ainda que as mudanças na legislação brasileira mostram que temos um país de “alma conservadora, que veio da escravidão e que não gosta de proteção ao trabalhador”. A seu ver, é preciso avançar na transformação social. “No entanto, temos ouvido coisas do tipo: o direito do trabalho custa muito; coitadas das empresas que não podem contratar”, afirmou, ao explicar que, diferentemente do que se costuma pensar, “o direito do trabalho é típico do capitalismo e não tem nenhuma relação com o socialismo ou comunismo”.
(AJ, GS, JS, MC, RR/CF)
Fonte: TST, 11 de outubro de 2018.