Pouco mais de um ano após a reforma trabalhista, o fim do imposto sindical obrigatório desestruturou as finanças dos sindicatos de trabalhadores; por outro lado, entidades patronais ganharam reforços de recursos por meio do chamado “Sistema S” – conjunto de organizações que inclui Senai, Sesc, Sesi e Sebrae mantidas com contribuições recolhidas da folha de pagamento de empresas.
Por Rute Pina
Sindicalistas querem transparência no repasse da verba do Sistema S
Em fevereiro, por exemplo, um decreto assinado pelo presidente golpista Michel Temer (MDB) obrigou a reserva dos recursos da qualificação dos trabalhadores rurais pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) para as entidades patronais do setor agrícola: 5% para o financiamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e outros 5% para as federações estaduais.
A Senar integra o Sistema S. Esse modelo de transferência segue o que já existe em outros setores, como indústria e comércio. Hoje, o Sistema S é a principal fonte de recursos das entidades patronais.
De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), a soma das receitas diretas e indiretas das 11 organizações do Sistema S ultrapassou R$ 24,3 bilhões em 2017. Além disso, segundo levantamento do jornal Valor Econômico, as confederações nacionais e federações regionais de indústria e comércio receberam em 2016 quase R$ 1 bilhão em repasse público do Sistema S para administrar das entidades.
O dirigente da organização Intersindical Edson Carneiro Índio critica a decisão do repasse do Senar às entidades patronais: “Isso demonstra essa falácia de dizer que o fim do imposto sindical é para democratizar. É o contrário. É para esmagar a resistência dos trabalhadores e fortalecer o sindicalismo cartorial dos empresários”, afirma Carneiro.
As organizações que integram o sistema são conhecidas por oferecerem treinamento profissional e educacional, assistência social e atividades esportivas e culturais a preços acessíveis.
Mas o dirigente destaca a falta de transparência na administração das organizações, que transforma o Sistema S em uma “caixa-preta”. “É claro que, com o volume de recursos que eles têm, eles podem ter presença maior nas cidades, principalmente com o Sesc. No entanto, elas têm um patrimônio fabuloso, uma arrecadação extraordinária e não tem nenhum controle social e público desse recurso”, pontua.
O professor de Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Arthur Ridolfo Neto pondera a importância dos cursos profissionais e atividades oferecidos pelas entidades do Sistema S, mas também afirma que há falta de monitoramento desses recursos. “O que se questiona é quanto está sendo utilizado efetivamente nos programas e quanto está sendo utilizado nesta administração do sistema”, diz.
Em 2016, o valor de recursos parados no caixa do Sesc, Senac, Sesi, Senai e Sebrae era de quase R$ 17,4 bilhões. O professor da FGV questiona a necessidade de reserva financeira. “Qual razão de uma entidade dessas captar recursos compulsórios das empresas e parte desses recursos ficar em uma conta reserva financeira? Alguém comprovou necessidade? É estranho porque eles têm fluxo constante de recursos, que é compulsória. A aplicação financeira não é o objetivo final da entidade, que seria o ensino e formação profissional.”
Palanque político
O modelo do Sistema S, com origem na década de 1940 durante o governo de Getúlio Vargas, no período de incentivo à industrialização e de criação da legislação trabalhista, é defendido como legado por candidatos ligados às entidades patronais.
O jornal Folha de S. Paulo publicou que pelo menos dez comandantes de federações estão licenciados em todo o país para se candidatar nas eleições de outubro deste ano.
Este é o caso de Paulo Skaf (MDB), presidente licenciado da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) que concorre ao cargo de governador. Ele está à frente da federação desde 2004, há 14 anos.
De acordo com a mesma reportagem, das 99 confederações e federações pesquisadas, cerca de 40% está no poder há mais de oito anos. Em alguns casos, os presidentes estão no poder das federações há mais de 30 anos — em tese, os sindicatos patronais seguem as mesmas regras dos sindicatos dos trabalhadores.
Para Índio, da Intersindical, os representantes utilizam o espaço para se projetarem politicamente. “Paulo Skaf é um industrial que não produz sequer um parafuso e vive, na verdade, do rentismo e se utiliza desse dinheiro público que chega aos cofres da Fiesp para fazer populismo, para se promover”, criticou.
“Isso sem nenhuma fiscalização, nenhum controle estatal e muito menos dos trabalhadores, na medida que também é dinheiro nosso”, completa.
Na mesma linha, o representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Conselho Nacional do Senai, José Roberto Nogueira da Silva, afirma que o Sistema tem que cumprir um papel social.
“É um dinheiro que a gente tem que saber onde está sendo colocado e se, de fato, está atingindo os objetivos estabelecidos quando nasceu o Sistema S”, diz. “A sociedade enxerga isso como uma grande ferramenta para treinar jovens. Então, é essa fiscalização que a gente tem que ter, sem dúvidas, de onde está sendo empregado esse dinheiro.”
Na mira
Para aumentar transparência, Ridolfo Neto, da FGV, sugere auditorias ou comitês de avaliação externos das atividades das organizações. “Qualquer entidade que recebe recursos de maneira compulsória tem que prestar contas de maneira detalhada”, avalia.
O TCU verifica, por meio de uma auditoria, dados das entidades do Sistema S, como balanços patrimoniais e receitas arrecadadas, desde setembro do ano passado.
“Potenciais desvios ou má aplicação de recursos impactam negativamente na atuação finalística desses entes”, diz o acórdão do TCU que autorizou a auditoria.
O pedido de investigação foi feito pelo Congresso Nacional. As organizações estão sujeitas à fiscalização do órgão por arrecadarem e gerenciarem recursos públicos.
Brasil de Fato, 24 de agosto de 2018.