A incorporadora Gafisa foi condenada pelo TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região) a pagar R$ 400 mil de indenização a uma ex-funcionária por permitir e não coibir ofensas sexistas que ocorreram no ambiente de trabalho.
A profissional, que é arquiteta e trabalhava em canteiros de obras da companhia, chefiava 15 funcionários da Gafisa e cerca de cem prestadores de serviço terceirizados.
Durante anos, foi alvo de xingamentos, além de pichações e desenhos de cunho sexual feitos em paredes das obras em que atuava.
Com medo de sofrer represálias profissionais, ela preferiu não falar com a reportagem. A reportagem teve acesso, porém, a fotos dos desenhos ofensivos.
“Se você não me dé a buceta (sic), vou quebrar sua cara”, afirma um deles.
Em ao menos três deles, a arquiteta é desenhada nua em posições sexuais. “Você me dar (sic) tesão”, diz outro.
A arquiteta afirmou no processo ter se reportado aos seus superiores, mas obteve como resposta justificativas de que o ambiente de trabalho em obras era masculino, “com pessoas de pouca instrução, e que tinha que se acostumar com esse tipo de conduta para trabalhar na construção civil”.
Segundo uma das testemunhas ouvidas durante o processo, as ofensas contra a arquiteta tiveram início em 2012 e duraram, pelo menos, até o fim de 2014.
Mesmo após pinturas nas paredes de um dos empreendimentos, houve novas pichações pejorativas contra ela.
Apesar de ter conhecimento dos fatos, a Gafisa não teria tomado atitude para coibir o assédio, segundo a Justiça. Procurada, a incorporadora não se manifestou sobre o assunto.
A arquiteta também foi apelidada de Fofão durante uma festa da empresa, em 2010, na qual teria sido humilhada na frente de colegas e subordinados.
Em sua defesa, a Gafisa afirmou que os fatos narrados pela ex-funcionária haviam prescrito, argumento que não foi acatado pelo juiz de primeira instância. A construtora recorreu, mas foi derrotada novamente.
Na decisão da segunda instância, o magistrado Marcos Neves Fava aumentou o valor da indenização a ser desembolsada pela incorporadora, estipulada inicialmente em R$ 40 mil.
“A posição de fragilidade que enfrenta uma mulher, em cargo de comando, quando seus subordinados lançam-se à aventura de lavrar em paredes seus desejos e ameaças obscenas, evidencia-se com enorme gravidade”, afirma a sentença de Fava.
“Decisões como essas são importantes para mostrar às empresas que esse tipo de postura conivente [com assédio] não é mais tolerada”, diz a socióloga Carla Diéguez, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
“Essa figura da masculinidade hegemônica é comum em profissões como a da construção civil, mas as companhias devem ter mecanismos para mudar essa cultura e eventualmente punir quem atua assim”, afirma Diéguez.
A construtora pode recorrer da sentença, por meio de embargos de declaração, que seriam apreciados pelo próprio TRT-2 (que atua na Grande São Paulo e Baixada Santista).
A chance de reverter a decisão, porém, é mínima, segundo Stefano Zveiter, advogado especializado em casos do tipo. A empresa pode tentar reduzir o valor da indenização ou fazer um acordo com a profissional, diz ele.
Bem Paraná, 17 de maio de 2019