O site do TST, publicou, no dia 9 de novembro, notícia com a seguinte chamada: Cláusula coletiva que condiciona salário profissional ao tempo de experiência não tem caráter discriminatório, referindo-se a decisão unânime em recurso ordinário de ação anulatória de norma coletiva ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (TST-RO-13-59.2017.5.08.0000).
O tema chama atenção por dois aspectos: primeiro pela aplicação do princípio de isonomia e, segundo, pelo reconhecimento da autonomia da vontade coletiva.
Com efeito, a convenção coletiva de trabalho, objeto da ação anulatória, foi celebrada entre a Fecomércio do Pará, a Federação dos Trabalhadores no Comércio e Serviços do Pará e do Amapá (Fetracom) e com o sindicato dos trabalhadores no Pará.
O fundamento da ação, além de outras cláusulas, diz respeito ao fato de que foi criado o salário profissional da categoria superior ao salário mínimo cuja percepção está condicionada a duas hipóteses: que o salário seja fixo e que o empregado possua “um ano de experiência na mesma especialidade e no mesmo ramo de negócio comprovado pela CTPS, somando-se períodos de empregadores anteriores ao período da empresa empregadora atual” (cláusula 3ª, parágrafos 1º e 2º).
O parquet sustentou que a cláusula normativa viola os artigos 5º e 7º, XXX, da Constituição Federal, respectivamente que asseguram a igualdade de todos perante a lei e a proibição de discriminação na relação de emprego.
O TRT da 8ª Região julgou procedente a ação para anular a cláusula porque estaria violando o princípio constitucional da isonomia, permitindo a prática de desigualdades salariais e critérios discriminatórios na fixação de salários.
A Seção Especializada em Dissídios Coletivos considerou que não se aplica no caso a ofensa ao princípio da isonomia e reconheceu a validade de cláusula coletiva nos termos pactuados, ou seja, com salário profissional apenas aos empregados com um ano de experiência ou mais na atividade profissional no âmbito da representação sindical. O acórdão é da lavra da ministra Kátia Magalhães Arruda e acrescenta que a cláusula não extrapola os limites da autonomia coletiva.
O fundamento trazido pelo acórdão foi de que “não há desrespeito ao princípio da isonomia, porque as regras impugnadas não criam pisos salariais diferenciados para os trabalhadores nas mesmas condições abrangidos pela norma coletiva”, finalizando com a prevalência do “reconhecimento da cláusula estabelecida livremente pelos sindicatos em negociação coletiva”.
Dois aspectos merecem destaque: (i) a aplicação do princípio da isonomia e (ii) a força do reconhecimento na livre negociação coletiva.
Sobre a garantia constitucional da igualdade de todos perante a lei vedaram-se as discriminações que restrinjam os direitos dos cidadãos cujo tratamento deve ser assegurado de modo idêntico pela lei. Discriminação, no caso da norma coletiva, não se aplicaria porque estabelece critérios genéricos para determinado grupo de trabalhadores. Alf Ross, referindo-se à igualdade do direito vigente, acentua que, na hipótese de a constituição expressar de forma específica que todos são iguais perante a lei (caput do art. 5º da CF) que esta deve ser aplicada sem referência às pessoas ou que “a lei não deve se basear em distinções ou características consideradas irrelevantes ou injustas” (“Direito e justiça”. Bauru,SP. EDIPRO. 2003, p. 332). Deste modo, a diferenciação que se estabelecera na norma coletiva está de acordo com a Constituição Federal.
A força do reconhecimento na livre negociação efetuada pelos sindicatos traz a tônica do reconhecimento da autonomia da vontade coletiva, pressuposto da liberdade de negociar como condição de validade e eficácia da norma coletiva, reproduzindo, ainda que se trate de negociação anterior à vigência da Lei nº 13.467/2017, conforme destacado pela ementa, o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.
Todavia, a orientação da SDC do TST poderia sugerir que, no caso da Súmula 451, aplicada no âmbito de litígios individuais, houvesse adequação da aplicação do princípio da isonomia. É que, a jurisprudência uniformizada considera nula cláusula de acordo coletivo ou norma regulamentar, que condiciona a percepção da parcela participação nos lucros e resultados ao fato de estar o contrato de trabalho em vigor, na data prevista para a distribuição dos lucros”, está a negar validade da norma livremente negociada e presume que o ex empregado teria concorrido para os resultados positivos da empresa. Segundo a decisão trazida em destaque, não haveria violação constitucional ao princípio de isonomia.
De qualquer forma, no âmbito das relações coletivas, normas que estabelecem para trabalhadores em condições desiguais, critérios para aquisição de direito não ofenderiam o princípio da isonomia.
Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.
Conjur, 14 de dezembro de 2018