Lições da luta contra a “reforma” da Previdência

9 de agosto de 2019

A aprovação da “reforma” da Previdência Social na Câmara dos Deputados deixou importantes sinalizações.

 

 

 

A começar pela confirmação de que as eleições de 2018 mandaram para o parlamento uma composição majoritária identificada com a pauta ultraliberal e neocolonial do dito superministro da Economia, Paulo Guedes. Os resultados das votações da “reforma”, com ampla maioria favorável à proposta do governo, revelaram essa fotografia com nitidez. 

Essa composição, óbvio, tem a ver com o clima político que se instalou no país. A agenda neoliberal avançou no leito da ofensiva “moralista” da Operação Lava Jato, formando as condições para a mudança de paradigma no Estado que teve como epicentro o golpe do impeachment de 2016. Ao se apresentar para as eleições de 2018, a chapa de Jair Bolsonaro mostrou abertamente seu programa de governo pautado por essas duas vertentes – o “moralismo” arbitrário da Lava Jato comandado por Sérgio Moro e o ultraliberalismo neocolonial de Paulo Guedes. 

A hegemonia dessas ideias, imposta por uma avassaladora campanha midiática, enviou para o Congresso Nacional essa maioria. Claro que essa condição não é imutável. O parlamento é um espaço com grande suscetibilidade a pressão popular. O Poder Legislativo, mesmo em situação de predominância dos representantes eleitos por uma conjuntura desfavorável à defesa da pauta progressista e democrático, é o ponto em que o povo tem maior possibilidade de exercer a sua soberania. 

É preciso que se sublinhe, também, que essa mesma maioria que vota e impõe a pauta econômica neoliberal se comporta de modo diferente quando o foco é a escalada autoritária e a criminalização generalizada da política. Neste importante tema — a defesa do Estado Democrático de Direito —, a extrema-direita tende a perder aliados e o campo progressista tende a ser reforçado com o centro político.

Não sem motivo, a extrema direita tem exercido forte pressão para que o seu método de governar dependa cada vez menos das regras legislativas. O presidente Bolsonaro tem abusado de decretos e medidas provisórias porque sabe que no parlamento suas propostas seriam duramente contestadas. Além de fugir do debate democrático, o presidente e o seu círculo no poder trabalham sistematicamente para desmoralizar o Legislativo, com pregações que aviltam o exercício democrático da política. 

Nas votações da “reforma” da Previdência na Câmara dos Deputados, como o governo não tinha como fugir do debate democrático a oposição conseguiu reduzir danos e impor à proposta original alguns revezes, mesmo que ainda na primeira fase de votações da proposta — agora ela vai ao Senado — em pontos importantes, como nos casos da capitalização, da aposentadoria rural, do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da desconstitucionalização da seguridade social. Contou também para essas vitórias as grandes mobilizações populares catalisadas, além da visível perversidade da “reforma”, pelos ataques ao orçamento da Educação. 

Essa é outra importante sinalização. Ao contrário do processo eleitoral, quando houve certa divisão na esquerda — em grande medida devido a posturas exclusivistas —, nesse grande enfrentamento político as forças progressistas se coesionaram e protagonizaram embates memoráveis. À medida que o governo avança com a sua agenda, essa tendência tende a se ampliar e a se consolidar. A experiência na Câmara dos Deputados mostrou que a unidade, a flexibilidade, a sagacidade e a coragem política devem reger o enfrentamento ao rolo compressor governista.

A oposição, apoiada na mobilização e na pressão popular, certamente tende a avançar. Diante dessa perspectiva, a grande questão que está posta é saber associar a luta em defesa dos direitos e da soberania nacional com a questão que emergencialmente assume centralidade — a garantia da democracia, uma luta que exige atenção especial por ser a base de todas as demais na defesa dos interesses do povo e do país.

É, sem dúvida, uma engenharia de grande envergadura, que exige flexibilidade tática para encadear os objetivos sempre na perspectiva das soluções preconizadas, acompanhando as nuances de cada realidade.

 

Vermelho, 09 de agosto de 2019