REFLEXÕES TRABALHISTAS
Questão de grande interesse nas perícias médicas sobre doenças ocupacionais diz respeito ao nexo causal ou concausal, que é pressuposto da responsabilidade civil do empregador.
No caso dos benefícios previdenciários acidentários a Lei 8.213/91 cuidou do tema, flexibilizando o seu reconhecimento, com vistas a permitir a efetivação do princípio da proteção integral em benefício das vítimas de doenças ocupacionais.
Havendo divergências com relação ao nexo causal ou concausal da doença com o trabalho desenvolvido pela vítima na empresa reclamada, cabe ao perito nomeado pelo juiz emitir parecer, que nem sempre é conclusivo em razão dos poucos elementos probatórios ou porque a medicina não é uma ciência exata. É por isso que, de acordo com a Resolução do Conselho Federal de Medicina 1.488/98, deve o perito médico levar em conta, entre outros fatores, o histórico clínico-ocupacional do trabalhador, o exame do local e a organização do trabalho, a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos e estressantes, o depoimento e a experiência dos demais trabalhadores em condições semelhantes e a literatura atualizada sobre o assunto.
Há casos em que as provas colhidas não são conclusivas com relação à origem da doença ou, por critérios médicos, o perito, embora oferecendo subsídios no seu trabalho, não emite parecer conclusivo afirmando o nexo da doença com as condições de trabalho.
Nessas situações, cabe ao juiz, diante dos elementos existentes nos autos, da sua experiência como julgador sobre o que ordinariamente acontece, formar seu convencimento, reconhecendo ou não o dever de reparar o dano. Neste sentido afirma Sebastião Geraldo de Oliveira (Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional. 2. ed., p. 132. São Paulo: LTr, 2006) que “as provas não devem ser avaliadas mecanicamente com rigor e a frieza de um instrumento de precisão, mas com a racionalidade de um julgador atento que conjugue fatos, indícios, presunções e a observação do que ordinariamente acontece para formar o seu convencimento”.
Muitas vezes o laudo pericial médico é falho, porque sequer observa o nexo técnico epidemiológico (NTEP) decorrente do cruzamento do CNAE da empresa reclamada com as doenças que mais acometem seus empregados, dizendo simplesmente que a doença é degenerativa e não possui nexo de causalidade com o trabalho prestado, não avaliando sequer a possibilidade de concausa.
É certo que o NTEP constitui presunção relativa acerca do nexo causal ou concausal existente entre as moléstias que acometem o trabalhador e as atividades desempenhadas por ele na sua empregadora, mas, por isso é que o perito deve, se for o caso, afastar essa presunção expressamente, apresentando razões técnico-científicas que fundamentem sua conclusão.
Também, não raro peritos judiciais aplicam única e exclusivamente o artigo 20, § 1º, alínea a, da Lei 8.213/91, considerando indícios de degeneratividade da doença para descaracterizar a doença ocupacional. Todavia, esse modo de proceder não reflete a melhor interpretação sistemática e teleológica sobre o conjunto normativo e principiológico da Lei 8.213/91, uma vez que a concausa também pode estabelecer o liame entre a doença e as atividades desenvolvidas pela vítima, como assegura o artigo 21, inciso I, da referida Lei 8.213/91.
Como decorre do conjunto normativo vigente no Brasil, o simples fato de a doença do trabalhador ter caráter degenerativo, por isso só não impede a constatação de que as más condições de trabalho tenham contribuído para a antecipação do seu aparecimento e agravamento, como comprova a melhor doutrina médica.
Nesse sentido tem sido a posição do TST, atento aos parâmetros legais, aos novos anseios sociais e à evolução doutrinária, afirmando a possibilidade de responsabilização do empregador, mesmo quando diante de doença degenerativa, como se vê da decisão seguinte:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – DANO MORAL E MATERIAL – DOENÇA PROFISSIONAL – NEXO CONCAUSAL – CULPA DA EMPRESA NO EVENTO DANOSO – AMBIENTE DE TRABALHO INADEQUADO – NÃO VINCULAÇÃO AO LAUDO PERICIAL. De acordo com a teoria da causalidade adequada, as concausas preexistentes – patologia anterior, predisposição genética do obreiro ou caráter degenerativo da moléstia – não eliminam a relação de causalidade. Se as atividades laborais desenvolvidas pela reclamante potencializaram ou agravaram a moléstia preexistente ou degenerativa, a doença adquirida deve ser considerada ocupacional, em face da concausa com origem no trabalho. Além disso, nos termos do art. 157, I e II, da CLT, o empregador deve propiciar condições salubres de trabalho aos seus empregados e a redução dos riscos inerentes ao serviço, como exigem as normas de proteção à saúde, à higiene e à segurança do trabalho, o que não ocorreu no caso. Nesse sentido, conforme disposto no art. 436 do CPC, o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção a partir de outros elementos ou fatos provados nos autos, o que ocorre na hipótese. Agravo de instrumento desprovido (AIRR – 217300-09.2009.5.11.0013, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, publicado em 11/10/2013).
Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e professor titular do Centro Universitário UDF e da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), além de membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros, Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador e Ações acidentárias na Justiça do Trabalho.
Conjur, 07 de dezembro de 2018