Os números sobre acidente de trabalho no Brasil são alarmantes. Dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (MPT), revelam que o país registrou cerca de 4,26 milhões de acidentes de trabalho de 2012 até o último dia 3 de agosto: um acidente a cada 48 segundos. Desse total, 15.840 resultaram em mortes: uma morte em acidente estimada a cada 3h38m43s.
As estatísticas revelam que são necessárias políticas imediatas e mais efetivas de prevenção de acidente nas atividades profissionais, pois os reflexos para os cofres públicos são alarmantes.
Segundo estimativas do Observatório do MPT, cerca de R$ 28,81 bilhões foram gastos de 2012 até agora com benefícios acidentários – auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte e auxílio-acidente. Significa que o INSS gasta R$ 1,00 a cada sete milésimos de segundos com acidentes no país. Outro registro relevante: são mais de 335 milhões de dias de trabalho perdidos no Brasil, desde 2012.
Apenas no ano passado, um total de 895.770 acidentes foram registrados no país. Cortes, laceração, ferida contusa e punctura (furo ou picada) responderam por cerca de 92 mil casos. Ainda contabilizam nos dados 78.499 fraturas e 67.371 contusões e/ou esmagamentos.
O elevado número de acidentes do trabalho está diretamente ligado ao modelo político que o país encara na relação trabalhista. O governo federal já enfrentava problemas com o tema e, agora, com a aprovação da reforma trabalhista, que vigora desde novembro do ano passado, essas estatísticas devem ser mais acentuadas. As medidas da reforma contrariam inúmeras convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a nossa própria legislação, criam possibilidade de parcelamento de férias, jornada excessiva, entre outras. Por exemplo, no caso das horas extras, estudos comprovam que inúmeros acidentes de trabalho acontecem na extensão da jornada de trabalho.
Vale ressaltar que entre as novas regras está a liberação da terceirização para todas as atividades. O governo federal fez uma opção pela economia e não pelo lado humano do trabalhador. Importante frisar que 70% dos acidentes, hoje, acontecem nas empresas terceirizadas, pois são as mais frágeis, com uma estrutura mais enxuta. A lei tem que proteger o fato social, que neste acaso é a saúde do trabalhador. Com a terceirização ampla, vai crescer em escala o número de acidentes no trabalho. E as próprias empresas, que visam somente o lucro, sofrerão prejuízos com o alto número de acidentes e afastamentos. Trata-se de uma das dezenas das armadilhas impostas pela reforma às empresas.
Outro dado revelador é que 5,5 mil acidentes do trabalho acontecem por dia no mundo, o que dá cerca de 200 milhões de acidentes por ano. Ou seja, temos um Brasil dizimado por ano quando o assunto é acidente do trabalho. Esses são números relevantes, pois chancela que é uma questão universal. O Brasil ratificou muitas convenções da OIT de proteção ao trabalhador, mas, como se vê, não aplica nem respeita na prática. Vale ressaltar que a nossa Constituição é clara nas regras de proteção à saúde do empregado no ambiente de trabalho, mas a própria reforma contraria a Carta Magna.
Cabe ressaltar que na história existem, em tese, dois tipos de capitalismo, além do chamado capitalismo consciente. Temos dois tipos de empregadores. O capitalista tradicional e o capitalista industrial. O tradicional pensa exclusivamente no lucro e não se preocupava com os acidentes. Contratava menores, pessoas sem treinamento, não fazia obras ou investimentos para a melhoria do ambiente do trabalho. Já os capitalistas industriais vieram com outra ideia, investiram um pouco para explorar melhor a mão de obra. O pensamento era “vou conseguir com que as pessoas trabalhem felizes e produzam mais”.
Para ilustrar a questão do acidente de trabalho, vale contar, resumidamente, a história da lâmpada de Davy. Humphrey Davy, considerado um líder revolucionário da química mundial, criou, em 1816, a chamada lâmpada de Davy, uma invenção fundamental para proteção dos operários nas explosões provocadas pelo metano em mistura com o ar atmosférico. Essas explosões provocaram mortes e graves acidentes, pois como tinha muito gás metano nas minas, a temperatura da lâmpada acionava a explosão do gás. O químico, então, criou um sistema que colocava gaze na lâmpada, diminuindo a temperatura e evitando as explosões. Essa simples solução diminuiu de sete por mil, para 0,69 por mil os acidentes.
Esse exemplo serve para refletirmos que pequenas soluções podem poupar vidas, evitar afastamentos, aumentar a produção e evitar litígios judiciais ente empregados e empregadores. Entretanto, infelizmente, a relação de trabalho é vista como custo, lucro e custo, e não como uma relação humana.
* Doutor, mestre e especialista em Direito do Trabalho
Jornal do Brasil, 13 de agosto de 2018