Segundo a Anamatra, queda de 36,5% no total de ações na Justiça do Trabalho de novembro de 2017 até agora significa que disputas entre patrões e empregados estão sendo varridas para debaixo do tapete.
Desde a entrada em vigor da “reforma” trabalhista, em novembro de 2017, o número de ações de trabalhadores que entram na Justiça para reclamar o descumprimento de direitos caiu 36,5% em todo o país. Comemorada pelo governo Temer, que diz que a Lei 13.467/17 contribuiu para o estabelecimento de relações mais harmônicas entre empregados e empregadores, a redução na verdade esconde um “represamento” dos conflitos.
Segundo a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), esse “dique processual” ocorre devido à “insegurança jurídica” e também por conta do “obstáculo econômico” criado com as novas regras impostas pela nova lei, que restringe o acesso gratuito do trabalhador à Justiça.
Segundo dados divulgados pela Coordenadoria de Estatística do Tribunal Superior do Trabalho (TST), houve um pico de casos novos distribuídos em primeira instância em novembro do ano passado, seguido por uma queda brusca nos números de ações a partir de dezembro de 2017 e janeiro de 2018. Entre janeiro e setembro de 2017, as Varas do Trabalho receberam 2.013.241 reclamações trabalhistas. No mesmo período de 2018, o número caiu para 1.287.208 reclamações.
“Nesse momento, a impressão é de que a reforma, de imediato, criou esse represamento, o que significa varrer a poeira para debaixo do tapete. Essa poeira uma hora vai aparecer”, afirma o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano.
Ele ressalta que a Lei 13.647, que fundamenta a chamada reforma trabalhista foi alvo de 25 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), e a maior parte ainda aguarda votação no Supremo Tribunal Federal (STF). Destas, 19 contestam o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. As outras seis discutem temas como correção monetária dos créditos trabalhistas, depósitos recursais, indenização por dano extrapatrimonial, trabalho intermitente, gestantes em local insalubre e a gratuidade do acesso à Justiça.
“Tudo isso demonstra que há muitas dúvidas. O ambiente, na nossa visão, é de insegurança jurídica”, afirma Feliciano. “Os escritórios entraram em compasso de espera, aguardando esse horizonte de incertezas para poderem apresentar os seus pedidos. Já o cidadão passou a ter certo receio de ingressar na Justiça do Trabalho e sair devendo, coisa que nunca aconteceu antes.”
Ações trabalhistas
Com a sucumbência recíproca, estabelecida pela “reforma”, o trabalhador deve arcar com 5% a 15% do valor da ação, em caso de derrota, que deverão ser pagos aos advogados da parte contrária. Essa é a principal causa do “represamento”. O presidente cita o exemplo de um trabalhador que realiza a mesma função, com a mesma experiência e produtividade, e recebe menos que o seu colega. “Ele tem direito às diferenças salariais por equiparação. Ele tem convicção, mas precisa provar. Não tem certeza de que vá conseguir provar, vai precisar de testemunhas. E muitas dessas testemunhas estão empregadas na mesma empresa. Será que aceitariam depor? Essas variáveis todas antes não importavam tanto, porque havia a gratuidade.”
Segundo o presidente da Anamatra, só após o STF julgar todas as ADIs – o que pode levar anos – será possível avaliar se a chamada “reforma” contribuiu ou não para reduzir a litigiosidade no mundo do trabalho. Em vez de “barreiras econômicas” que restringem o acesso do trabalhador à Justiça, Feliciano defende o estímulo à cultura da conciliação entre patrões e empregados, e políticas públicas que estimulem e fiscalizem as empresas a cumprirem com as obrigações trabalhistas. “Mais importante que tudo isso é o crescimento econômico, certamente é o principal fator de redução da litigiosidade trabalhista.”
Extinção do ministério
Se confirmada a intenção do presidente eleito Jair Bolsonaro de pôr fim ao ministério do Trabalho, a Anamatra prevê que as ações judiciais podem inclusive superar números anteriores à aprovação da Lei 13.647. Segundo informações preliminares, a função de fiscalização do trabalho passaria para a alçada do ministério da Justiça.
“O ministério da Justiça não tem tradição e conhecimento técnico nessa área. Temos o receio de que essa mudança interfira na efetividade da fiscalização do trabalho. Se tiver uma piora na fiscalização, e removidas essas barreiras artificiais no acesso à Justiça, a tendência é que se volte ao patamar anterior ou até que se aumente o número de ações trabalhistas ajuizadas.”