Reforma da Previdência: ‘mercado financeiro transforma o país no paraíso do rentismo’

9 de setembro de 2019

Em vez de tirar R$ 1 trilhão dos aposentados, economista defende cobrança de impostos sobre grandes fortunas e lucros distribuídos aos acionistas.

 

“O que está valendo nesse país é a vontade do mercado financeiro, que usa o BC para fazer as políticas do seu interesse”, alerta economista – MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

 

Apesar das mudanças promovidas pela Câmara e Senado no texto original apresentado pelo governo Bolsonaro na chamada “reforma da Previdência, a proposta ainda é “muito lesiva” para os trabalhadores em geral, segundo a economista e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, Maria Lucia Fattorelli. Em vez de tirar cerca de R$ 1 trilhão dos mais pobres – manobra que o governo chama de “economia”–, transferindo esses recurso para o mercado financeiro, bastaria instituir a cobrança de impostos sobre grandes fortunas e também sobre a distribuição de lucros das empresas.

“Se precisamos de R$ 1 trilhão a mais no Orçamento, porque não cobramos tributos, como imposto sobre as grandes fortunas e acabamos com a isenção (tributária) abusiva e absurda da distribuição de lucros? Só essas duas propostas gerariam em dez anos receitas de R$ 1,25 trilhão, ou seja, R$ 250 milhões a mais que esse projeto de destruição da Previdência, que se cobraria dos ricos, e não dos pobres”, questiona ela, em entrevista ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual desta sexta-feira (6).

Para a economista, a crise fiscal usada pelo governo e pela mídia tradicional para justificar a necessidade de ajustar as contas públicas foi artificialmente criada pelas políticas monetárias adotadas pelo Banco Central (BC) nos últimos anos. “O que tivemos foi uma redução das receitas em decorrência dessa crise fabricada. Esse cenário foi produzido para justificar o cenário de desmonte. O que se quer não é economizar. É tirar quase R$ 1 trilhão das mãos das pessoas. Quando Guedes fala em economizar, está tirando um R$ trilhão das pessoas que recebem aposentadorias, pensões e os demais benefícios da Seguridade Social.”

Maria Lucia destaca estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que mostra que, entre as décadas de 1970 e 1990, foram desviados para outras finalidades cerca de R$ 1,6 trilhão de recursos da Previdência Social.

Segundo ela, a “reforma”, que agora tramita no Senado, retira direitos garantidos na Constituição Federal, que prevê a busca pelo desenvolvimento socioeconômico inclusivo, que garanta vida digna a todos os brasileiros. “O que está valendo nesse país é a vontade do mercado financeiro, que usa o BC para fazer as políticas do seu interesse, transformando o Brasil no país do rentismo, que joga as empresas na falência e o povo no desemprego, na informalidade e na miséria. É preciso que a população brasileira acorde.”

 

Saída

Segundo a economista da Auditoria Cidadã, a verdadeira reforma que o Brasil precisa é a que acabe com a regressividade do nosso modelo tributário, que vai pesar mais os impostos para quem ganha menos, enquanto praticamente isenta as camadas mais ricas das população. “O Itaú, por exemplo, tem lucro absurdo de dezenas de bilhões de reais todos os anos. Os sócios que recebem esses bilhões são isentos não pagam nada de tributação. Não pagam contribuição social para a Previdência, – como pagam os trabalhadores – não pagam imposto de renda, como pagam aqueles que ganham acima de R$ 2 mil. Por isso que a concentração de renda no Brasil é essa indecência, a maior do planeta, a distância mais cruel entre ricos e pobres.”

 

“Reforma” tributária

Outra mudança que deve afetar o sistema de Seguridade Social é a proposta de “reforma” do sistema tributário. Vendida como uma ideia que vai “simplificar” os impostos no país, o projeto, em discussão no Congresso Nacional, vai desvincular recursos, pois pretende transformar as contribuições – como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) – em imposto. “Quando se muda a natureza do tributo, deixando de ser contribuição e passando a ser imposto, muda-se a destinação dessa arrecadação. Enquanto é contribuição, a destinação é constitucionalmente vinculada, por causa da natureza do tributo. Quando passa a ser imposto, o produto da arrecadação cai num caixa único das contas do governo, com vinculação proibida pela Constituição”, explica.

 

RBA, 09 de setembro de 2019