O dinamismo e a integração internacional da atividade econômica cada vez mais propiciam a mobilidade de trabalhadores, principalmente os mais qualificados. As empresas multinacionais, devido à sua atuação internacional, comumente efetuam a transferência de funcionários para trabalhar em outros países, diversos da sua residência atual, muitas vezes por período pré-determinado de tempo.
Para viabilizar a expatriação de trabalhadores, as empresas necessitam estruturar as condições para que o funcionário possa mudar de pais, nele se manter e à sua família (a depender do caso), durante o prazo acordado. Entre essas condições, uma das mais relevantes se refere à habitação. Não é simples para o funcionário organizar um novo local de moradia, ainda mais no caso da transferência com tempo determinado, em que normalmente se mantém também a residência no Brasil.
É comum que a empresa custeie a moradia do expatriado no exterior, através de verba denominada de auxílio ou ajuda de custo moradia ou mesmo pelo custeio direto, pela empresa, do aluguel da habitação no exterior.
Nesse contexto, a visão mais corrente era de que o auxílio moradia para o expatriado compunha o seu salário de contribuição. Situação, contudo, que se alterou com Reforma Trabalhista.
A Lei nº 7.064/82 é a norma que regulamenta a “situação de trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviço no exterior”, com exceção daqueles designados para prestar serviços de natureza transitória, por período não superior a 90 (noventa) dias.
Nos termos do seu artigo 2º, considera-se transferido: (i) o empregado removido para o exterior, cujo contrato estava sendo executado no território brasileiro; (ii) o empregado cedido à empresa sediada no estrangeiro, para trabalhar no exterior, desde que mantido o vínculo trabalhista com o empregador brasileiro; (iii) o empregado contratado por empresa sediada no Brasil para trabalhar a seu serviço no exterior.
Ao expatriado é expressamente assegurada a aplicação da legislação brasileira sobre Previdência Social, FGTS e o PIS/PASEP, além da aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, quando mais favorável do que a vigente no território do local da prestação (art. 3º da Lei nº 7.064/82).
No que se refere às contribuições previdenciárias sobre a remuneração (patronal e RAT), a análise deve ser feita tendo em vista as disposições da Lei nº 8.212/91.
O artigo 12 da Lei nº 8.212/91 determina ser segurado obrigatório do Regime Geral da Previdência Social o empregado domiciliado e contratado no Brasil, para prestar serviço como empregado no exterior, em (i) sucursal ou em agência de empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede e administração no País; (ii) em empresa domiciliada no exterior, com maioria de capital votante pertencente à empresa constituída sob as leis brasileiras, que tenha sede e administração no País e cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no Brasil ou de entidade de direito público interno[1].
Na qualidade de segurado empregado é devida a contribuição previdenciária patronal e a contribuição ao RAT pela empresa contratante sediada no Brasil em relação à totalidade da remuneração percebida pelo empregado expatriado, aplicando-se a base de cálculo determinada pelo artigo 28 da Lei nº 8.212/91 e pela atual redação do artigo 458 da CLT.
O artigo 11 da Lei nº 7.064/82 exclui a incidência das contribuições destinadas a outras entidades e fundos (terceiros), em relação à remuneração paga aos empregados expatriados.[2]
A definição da natureza de utilidades fornecidas pelo empregador ao empregado obrigatoriamente passa pela avaliação do seu contexto, utilizando-se o tradicional critério de fornecimento para o trabalho ou pelo trabalho.
Partindo dessa diferenciação, o artigo 458 da CLT considera salário utilidade as vantagens concedidas ao empregado de forma habitual, tais como a alimentação, habitação, vestuário, transporte, aluguéis, entre outros, seja em razão do contrato ou do costume praticado pelo empregador[3].
Além da habitualidade, a caracterização do salário utilidade também demanda que os valores sejam pagos como contraprestação do trabalho prestado, excluindo-se a parcela disponibilizada para a viabilização ou aperfeiçoamento da prestação laboral. Tanto que o §2º do art. 458 da CLT relaciona vantagens e/ou adicionais não se enquadram no conceito de salário utilidade, tais quis vestuários e equipamentos fornecidos para a prestação do serviço, transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, seguro de vida e de acidentes pessoais, entre outros.
A situação do fornecimento de moradia ao trabalhador tem gerado mais dúvidas, pela importância desse item no custeio da vida das pessoas, sendo normalmente ônus custeado pelo salário de cada trabalhador. Mas existem situações específicas, em que esse fornecimento está tão intimamente ligado à própria viabilização da prestação do trabalho, que se altera a situação mais usual do seu custeio.
Especificamente no que diz respeito aos expatriados, localizam-se precedentes dos Tribunais Trabalhistas com óticas distintas. Existem decisões que consideram que o pagamento de auxílio-moradia para trabalhador expatriado, que irá morar em cidade de porte no exterior, não tem o objetivo de viabilizar a prestação do trabalho e sim de aumentar a remuneração do trabalhador:
(…)6. AUXÍLIO MORADIA. NATUREZA JURÍDICA SALARIAL. Em várias situações, o caráter salarial de certa “ajuda de custo” é autoevidente, dispensando prova. Por exemplo, “ajuda de custo aluguel”, paga ao empregado que labora para seu empregador em uma grande metrópole, ainda que no exterior; trata-se de verba que não ressarce, obviamente, despesa essencial ou instrumental à efetiva prestação de serviços, mas somente despesas pessoais e familiares do trabalhador – logo, é salário dissimulado. No caso concreto, a concessão do auxílio-moradia não era indispensável à consecução do contrato de trabalho, afigurando-se com o intuito retributivo, como um acréscimo de vantagens contraprestativa ofertadas ao empregado, sendo-lhe paga com habitualidade, mensalmente, por aproximadamente 5 anos, em razão do seu trabalho no exterior, motivo por que o fornecimento do benefício se afigura como nítido acréscimo salarial, atraindo a incidência dos reflexos daí decorrentes. Recurso de revista conhecido e provido no tema. (TST-RR-1219-43.2013.5.03.0112 – 3ª Turma – Relator MAURICIO GODINHO DELGADO – j. 28.02.18)
Outras decisões reconhecem que a ajuda de custo moradia, no caso de trabalhador expatriado, é disponibilizada para viabilizar a prestação do trabalho em país diverso daquele de sua residência. Cite-se:
AUXÍLIO-MORADIA. TRABALHADOR EXPATRIADO. “AUXÍLIO-MORADIA. AUXÍLIO-EDUCAÇÃO. TRABALHADOR EXPATRIADO. SÚMULA Nº 367, ITEM I, DO COLENDO TST. “UTILIDADES “IN NATURA”. HABITAÇÃO. ENERGIA ELÉTRICA. VEÍCULO. CIGARRO. NÃO INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO I – A habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não têm natureza salarial, ainda que, no caso de veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 131 – inserida em 20.04.1998 e ratificada pelo Tribunal Pleno em 07.12.2000 – e 246 – inserida em 20.06.2001)”. (Desembargador Ribamar Lima Júnior, Processo 01322-2008-002-10-85-2) (TRF10 – NÚMERO CNJ: 0000776-91.2017.5.10.0004 – Julgamento em 18/08/19)
Consignou o Desembargador Federal Relator: “E foi justamente com o objetivo de viabilizar o trabalho do Reclamante enquanto perdurou sua transferência para o exterior que foi realizado o pagamento de auxílio-moradia, conforme decorre da IN 370, item 3.5. (…) Concedido o auxílio-moradia com o fito de possibilitar que o Reclamante desempenhasse suas atividades no exterior, tenho que se trata de parcelas de caráter indenizatório.”
Coerente a fundamentação citada, já que comprovado que a ajuda de custo moradia decorre da necessidade do empregador de viabilizar a transferência do empregador para o exterior, em função das necessidades de trabalho, fica configurado pagamento para o trabalho e não retributivo do trabalho.
Entretanto, no âmbito do custeio previdenciário essa análise deve considerar a forma como definido o salário de contribuição definido pelo art. 28 da Lei nº 8.212/91 e as exclusões previstas no seu §9º. Na alínea “g” está prevista a exclusão da ‘ajuda de custo’, por mudança de local de trabalho, somente quando paga uma única vez para custear, especificamente, as despesas com a transferência do empregado, nos termos do artigo 470 da CLT[5]. Já na alínea “m”, a exclusão da moradia fornecida para trabalhador contratado para laborar longe da sua residência.
A jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais tem interpretado o disposto na alínea “m” do §9º do artigo 28 (habitação fornecida pelo empregador) como sendo aplicável apenas quando o trabalhador é contratado para trabalhar em localidade diversa da sua residência, sem que haja a mudança da sua residência para o local do trabalho ou, quando, pela especificidade da localidade, não seja viável a locação de imóvel com facilidade. Veja-se:
SALÁRIO-UTILIDADE. TEORIA FINALÍSTICA. HABITAÇÃO. As utilidades fornecidas para o trabalho não possuem natureza salarial, ao passo que as utilidades fornecidas pelo trabalho possuem a natureza de salário indireto (salário-utilidade) e devem integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária. No caso de habitação, a dispensabilidade de seu fornecimento induz à natureza salarial, em harmonia com a Súmula 367 do TST. Pagamento de aluguel em cidades com ampla oferta de imóveis permite a conclusão que tal benefício foi fornecido pelo trabalho e não para o trabalho. (CARF – PTA nº 11040.720465/2012-72 – Relator Conselheiro DANIEL MELO MENDES BEZERRA – j. 06.06.18)
Contudo, entendemos que a Reforma Trabalhista alterou a regulação legal, trazendo previsão expressa de que o auxílio moradia, enquanto forma de ajuda de custo, mesmo habitual, não integra o salário de contribuição do empregado expatriado, já que tem por objetivo viabilizar a sua transferência e manutenção no exterior.
A Lei nº 13.467/17 alterou o §2º do artigo 457 da CLT, que vigora com a seguinte redação: “§ 2o -As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário. ”
A legislação em vigor prevê que a ajuda de custo, mesmo habitual, não integra o salário, não sendo base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário. Trata-se de hipótese de exclusão do salário de contribuição que se soma àquelas previstas no §9º do artigo 28 da Lei nº 8.212/91.
O conceito tradicional de ajuda de custo era o de valor fixado pelo empregador, pago uma única vez, para custear despesas efetuados em prol do exercício do trabalho, caso das despesas que o funcionário incorra quando da transferência de local de trabalho.
Com a mudança legislativa, a ajuda de custa pode ser habitual, sem que isso lhe transforme em verba salarial, caso se trate de efetiva remuneração para fazer frente à despesa necessária para viabilização do trabalho, consoante as determinações e interesses do empregador.
No caso do expatriado, principalmente quando se trata de transferência com tempo determinado, é explícito o caráter não salarial do auxílio moradia. Normalmente nessas situações, o empregado se vê vinculado à aumento do seu dispêndio com moradia, tanto pelo maior custo da habitação no exterior, normalmente cobrado em moedas estrangeiras, como o dólar americano e o euro, e a necessidade de se locar imóvel condizente com a situação social do empregado, e próximo ao local de trabalho e/ou da escola dos filhos. Além disso, é também comum que o empregado mantenha a sua residência no Brasil, arcando com custos de manutenção, condomínio e IPTU. O que é ainda mais patente nas situações em que o expatriado não desloca a sua família, que se mantém no Brasil.
Nesse contexto, o custo adicional de moradia no exterior decorre da necessidade do empregador, que precisa do trabalhador no exterior, por motivos como a sua especialização profissional ou experiência para conduzir determinado projeto ou demanda da global da empresa.
O trabalhador, principalmente os mais qualificados, demandam que além de eventual acréscimo salarial (esse incluso no salário de contribuição), sejam garantidas as condições necessárias para viabilizar o aceite da proposta de transferência, normalmente temporária, para o exterior. Sendo que essas utilidades são disponibilizadas por necessidade do trabalho (para o labor), não tendo cunho de contraprestação laboral.
Somente quando o Fisco conseguir comprovar que não se trata de ajuda de custo para moradia e sim de acréscimo salarial efetivo, que se desnatura a aplicação do parágrafo §2º do artigo 457 da CLT, com a inclusão do respectivo valor no salário de contribuição.
Portanto, após a alteração do §2º do artigo 457 da CLT, pela Lei nº 13.457/17, o auxílio moradia, enquanto espécie de ajuda de custo necessária para viabilizar a transferência de trabalhador para laborar no exterior, não integra o salário de contribuição, mesmo sendo habitual.
[1] Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: I – como empregado: […] c) o brasileiro ou estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em sucursal ou agência de empresa nacional no exterior; […] f) o brasileiro ou estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em empresa domiciliada no exterior, cuja maioria do capital votante pertença a empresa brasileira de capital nacional;
[2] Art. 11 – Durante a prestação de serviços no exterior não serão devidas, em relação aos empregados transferidos, as contribuições referentes a: Salário-Educação, Serviço Social da Indústria, Serviço Social do Comércio, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e Instituto Nacional de Colonização e de Reforma Agrária.
[3] Art. 458 – Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações “in natura” que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornece habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. […]
Art. 470 – As despesas resultantes da transferência correrão por conta do empregador.
Conjur, 19 de setembro de 2019