REsp 1.435.837: outro passo no desmonte da previdência complementar fechada

7 de março de 2019

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Desde o julgamento do RE 586.453, em que o STF afirmou a competência material da Justiça comum para o julgamento das demandas que envolvam benefícios de previdência complementar fechada, afastando da Justiça do Trabalho o exame desse tipo de demanda, assiste-se a um verdadeiro desmonte do arcabouço de direitos dos participantes dos fundos de pensão patrocinados pelas empresas estatais.

Ao se iniciar pela reforma da Súmula 321 do STJ ocorrida para afastar deliberadamente a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, e toda sua principiologia protetiva, da análise das referidas ações judiciais, para, logo em seguida, liberar-se a presença das patrocinadoras no polo passivo das ações através da tese assentada no julgamento do REsp 1.370.191/RJ, o STJ coloca, agora, “la cerise su le gâteau”, ao aniquilar o direito adquirido ao benefício definido na previdência privada complementar fechada.

Na quarta-feira passada (27/2), a 2ª Seção do STJ julgou, pelo rito dos recursos repetitivos, o Recurso Especial 1.435.837, representativo de controvérsia, definindo qual o regulamento aplicável para o cálculo do benefício de previdência privada fechada: se aquele vigente na data da adesão ao plano ou aquele vigente na data em que implementadas as condições para a concessão do benefício.

Prevaleceu a tese de que devem ser consideradas as regras vigentes na data em que implementadas as condições de concessão do benefício (aposentadoria ou pensão), o que significa reconhecer como legítimas as alterações regulamentares praticadas na vigência do contrato de previdência complementar.

A decisão foi fruto da maioria de votos por divergência manifestada pelo ministro Villas Bôas Cueva, acompanhados dos ministros Marco Aurélio Bellizze, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira, uma vez que o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, havia se posicionado no sentido contrário, entendendo que nos benefícios definidos devem ser observados os critérios fixados no regulamento vigente na data da adesão do participante ao plano, no que foi acompanhado pelo ministro Moura Ribeiro.

A nosso ver, a decisão que prevaleceu no STJ é falha e lamentável: aniquila por completo os benefícios definidos, que se tornam, inegavelmente, “indefinidos” e sujeitos a alterações não desejadas pelos contratantes que depositaram sua confiança nos fundos de pensão por mais de três décadas.

O STJ deixou de fazer a devida distinção entre as espécies de benefícios de previdência privada (sobretudo entre benefícios do tipo “benefício definido” e benefícios do tipo “de contribuição definida”) concretizando-se, sob o rito dos recursos repetitivos, flagrante injustiça e afronta à garantia constitucional de proteção ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido.

O reconhecimento da aplicabilidade do regulamento vigente na data da adesão do participante ao plano para efeito de cálculo do valor do benefício a ser concedido seria corolário lógico, no caso dos benefícios definidos, da norma constitucional que estabelece:

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

Tanto é assim que o próprio STJ vinha afirmando, em diversos julgados, a inexistência de direito adquirido a regime de contribuições na previdência privada fechada. Ora, esta conclusão decorria justamente do reconhecimento de que na previdência privada fechada há necessidade de se garantir a saúde atuarial dos planos, ou seja, manter-se hígida a reserva técnica necessária ao cumprimento dos benefícios contratados! No caso dos benefícios contratados de forma definida, poderia haver alteração do valor das contribuições justamente para que se cumprisse o que fora definido no ato da contratação, mas não poderia haver alteração do próprio benefício contratado.

A decisão agora tomada no REsp 1.435.837 afetará milhares de processos que estavam suspensos aguardando o julgamento do recurso representativo da controvérsia e, a nosso ver, consagra a total insegurança jurídica nos contratos de previdência privada fechada do tipo “benefício definido”, esvaziando o próprio conteúdo dos contratos deste tipo e eliminando o princípio de previdência que os informa, pois nada no contrato desta espécie será “pré-visto”: nem o valor do benefício definido (sua forma de cálculo) nem as contribuições cobradas! Está o STJ a criar uma espécie de contrato não desejado pelas partes, aniquilando, por completo, o caráter comutativo do contrato de previdência privada.

Lamentavelmente, agora, milhares de ações judiciais que estavam suspensas aguardando o julgamento do REsp, muitas delas nas quais restara claramente comprovado o prejuízo dos participantes pelas alterações regulamentares praticadas nas regras de cálculo de benefício, estarão fadadas à improcedência. Segue, assim, o desmonte da previdência privada complementar fechada, com o beneplácito do Poder Judiciário. A grande verdade é que a decisão demonstra o alinhamento da jurisprudência do STJ com as diretrizes do governo federal estampadas na Resolução 25 de 6/12/2018, da Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União, a qual estabelece uma série de critérios lesivos de cálculo de benefícios a serem praticados pelos fundos de pensão estatais, dentre outras medidas. Os participantes serão naturalmente seduzidos pela previdência privada aberta administrada pelas instituições bancárias…

Enfim, o setor financeiro, ávido por esta tenra fatia do mercado, agradece.

 

 

Conjur, 07 de março de 2019