Até 2026, 30 milhões de vagas poderiam ser fechadas, de acordo com estudo inédito que avaliou 2.602 ocupações
A possibilidade de ser trocado por um robô ou um programa de computador põe em risco 54% dos empregos formais no país, mostra estudo inédito feito com dados brasileiros.
Até 2026 seriam fechados 30 milhões de vagas com carteira assinada, se todas as empresas decidissem substituir trabalhadores humanos pela tecnologia já disponível —o número leva em conta a tendência de contratações para as ocupações mais ameaçadas.
Feito pelo Laboratório de Aprendizado de Máquina em Finanças e Organizações da UnB (Universidade de Brasília), o trabalho avaliou as 2.602 ocupações brasileiras.
Considerando os trabalhadores com carteira assinada no fim de 2017 (segundo a Rais, do Ministério do Trabalho), cerca de 25 milhões (57,37%) ocupavam vagas com probabilidade muito alta (acima de 80%) ou alta (de 60% a 80%) de automação.
Entram nessas categorias engenheiros químicos (96%), carregadores de armazém (77%) e árbitros de vôlei (71%), por exemplo.
Para calcular a probabilidade de automação num prazo de dez anos, foram consultados 69 acadêmicos e profissionais de aprendizado de máquina (campo da inteligência artificial em que computadores descobrem soluções por conta própria depois de analisar decisões prévias).
A partir das avaliações desses especialistas, os pesquisadores usaram técnicas de análise das descrições das ocupações, para associar os riscos.
O aprendizado de máquina potencializa a automação, porque permite substituir não apenas tarefa repetitivas e mecânicas como as de ascensorista ou digitador (acima de 99%). Diagnósticos de lesão de pele com base em fotografias já são feitos em menos tempo e com mais precisão que os realizados por humanos.
A “tropicalização” do estudo é um primeiro passo, e as estimativas ainda precisam ser refinadas e aprofundadas, diz o professor da UnB Pedro Henrique Melo Albuquerque.
E a probabilidade de automação não significa que, na prática, o humano perderá lugar. Um dos gargalos, observa Albuquerque, é que o aprendizado de máquina se alimenta de fonte farta de dados de qualidade, raramente disponível em empresas de países em desenvolvimento.
Outra limitação é econômica. Automações virtuais —como implementar um software para fazer laudos de exames de laboratório— requerem investimento muito inferior ao de comprar robôs para um lava-jato, por exemplo.
Mesmo quando a tecnologia existe e é acessível, a substituição pode não ser viável. É o caso de uma das ocupações mais ameaçadas, a taquigrafia (99,55% de probabilidade de automação), cujos profissionais usam códigos para anotar até 120 palavras por minuto, depois “traduzidos” em textos digitados.
Na teoria, programas de reconhecimento de voz dariam conta disso. Na realidade, eles cometem tantos erros que a rechecagem toma mais tempo que a digitação, relata Emília Naomi Todo Liem, gestora de 13 taquígrafos da Assembleia Legislativa de São Paulo.
“Futuramente, se o número de acertos crescer, pode ser uma ferramenta útil para evitar lesões por esforço repetitivo. No momento, só faz perder a paciência”, diz ela.
Pressões políticas também influem. Em 2018, os Correios cogitaram extinguir um cargo que verifica manualmente cada pacote ou carta e os separa de acordo com o destino —o chamado operador de triagem e transbordo (75% de risco, segundo o estudo).
A automação, já usada por concorrentes, era considerada necessária para reduzir custos e manter a competitividade.
Trabalhadores em greve pressionaram, porém, e o cargo foi mantido, sem prazo para a extinção. Segundo a empresa, ela acontecerá quando os 14 mil operadores ainda em atividade se aposentarem ou “forem migrando para outras atividades compatíveis”.
Há casos em que a automação é implantada com sucesso, mas as vagas são mantidas. Operadores de caixa, por exemplo, têm 77% de probabilidade de serem substituídos por máquinas. Mas, apesar de já ter autoatendimento em 250 lojas no Brasil, a rede McDonald’s afirma que não há risco de demissões.
Segundo o vice-presidente de Comunicação da Arcos Dorados (dona da rede), David Grinberg, a tecnologia exige a presença de funcionários para orientar os clientes, e 70% deles ainda preferem fazer as compras nos caixas.
“Os atendentes serão sempre necessários, pois sabemos da importância do contato pessoal com o consumidor.”
O impacto sobre os trabalhadores também nem sempre é uniforme. Contadores (49%) ou advogados (76%) são ocupações com algumas funções facilmente automatizáveis (preencher relatórios, redigir petições), mas outras não —despachar com o juiz ou negociar acordos.
Esse é um dos pontos em que as informações disponíveis no Brasil dificultam a análise, observa o professor de economia do Insper Sérgio Firpo, que entre outros assuntos estudou mercado de trabalho e automação.
A classificação brasileira apenas lista habilidades necessárias. Para uma estimativa mais precisa, seria preciso pesquisar o tempo que os profissionais de fato dedicam a cada tipo de função, como na base americana O*Net.
Essa foi a fonte usada pelos economistas Carl Frey e Michael Osborne para estimar que a automação ameaça 47% dos postos de trabalho dos EUA —cuja metodologia a UnB procurou replicar.
As estimativas para a realidade brasileira ainda podem ser mais refinadas e detalhadas, concorda Pedro Albuquerque. O objetivo é embasar políticas públicas e decisões empresariais.
“Com mais análise, se antecipam potenciais elevações de desemprego em ocupações com alto risco, e é possível reorientar investimentos para formar profissionais nas que têm baixa propensão a automação e demanda crescente.”
Em geral, estão a salvo funções que envolvem criatividade e contato humano —babás, psicólogos e artistas são algumas que têm risco perto de zero.
Outro campo em que a procura por trabalhadores humanos deve crescer no futuro é justamente a dos cientistas e programadores ligados a inteligência artificial e aprendizado de máquina.
O texto para discussão será publicado nas próximas semanas pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Folha de S.Paulo, 29 de janeiro de 2019