TRT-4 confirma condenação de promotor que litigou de má-fé na busca de vínculo

11 de dezembro de 2019

O promotor de justiça sabe que o artigo 128, parágrafo 5º, inciso II, letras “c” e “d”, o proíbe de participar de sociedade comercial e de exercer outra função a não ser o magistério, vedações também previstas no artigo 44, incisos III e IV, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e no artigo 1º da Resolução 73/2011 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Logo, não pode alegar que foi induzido em erro pelo empregador numa demanda trabalhista.

Com este entendimento, a 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) confirmou sentença que, no mérito, julgou improcedente pedido de reconhecimento de vínculo trabalhista requerido por um promotor de justiça gaúcho contra uma instituição de ensino superior do interior paulista. Tal como o juízo de primeiro grau, os magistrados perceberam que o promotor reclamante não é apenas sócio, mas administrador da empresa que entabulou o contrato de professor e o de parceria com a universidade, este prevendo a exploração conjunta dos cursos de pós-graduação. Assim, entenderam que não era “crível” que tivesse sido ludibriado em relação à natureza dos contratos celebrados ou com a promessa da assinatura da carteira de trabalho.

O relator do recurso ordinário, juiz convocado Joe Ernando Deszuta, disse que a intenção e a prática negocial conflitam com as teses expostas na reclamatória trabalhista. “Neste aspecto, ainda, não se pode deixar de registrar que, se de fraude se tratasse, não poderia o reclamante – investido permanentemente da alta e relevante Função Pública de Promotor de Justiça, na defesa da Lei e da Sociedade – deixar de denunciar tais condições de contratação. Mesmo que ultrapassada essa questão, entendo que, no caso, de fato sequer concorrem todos os requisitos informadores do liame de emprego”, escreveu no acórdão.

Deszuta também manteve a multa por litigância de má-fé, imposta no primeiro grau, mas diminuiu o quantum, de R$ 50 mil para apenas R$ 10 mil — 1% do valor da causa. E também a determinação de envio de ofícios à Corregedoria do MP-RS, ao CNMP e à Receita Federal, o que deve ocorrer após o trânsito em julgado da decisão.

 

Reclamatória trabalhista

O promotor de justiça Alexandre Aranalde Salim, que reside e trabalha em Porto Alegre, ajuizou reclamatória trabalhista em face da Fundação de Ensino Octávio Bastos (Unifeob), sediada na cidade de São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Pleiteou reconhecimento de vínculo empregatício entre 4 de maio de 2015 a 15 de maio de 2016. Alegou que, além de trabalhar como professor, atuou como coordenador-geral de diversos cursos on-line de pós-graduação em Direito para a reclamada sem, no entanto, ter a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada.

A juíza Luísa Rumi Steinbruch, da 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, explicou que a relação de emprego tem como requisitos cumulativos a não eventualidade dos serviços prestados, a onerosidade, a pessoalidade e a subordinação, como se depreende dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim, debruçando-se sobre os autos, a julgadora não viu onerosidade na relação mantida entre reclamante e reclamada, já que os serviços eram pagos à Saad Amin Salim & Cia Ltda, empresa sediada em Pelotas (RS) que firmou contrato com a reclamada e da qual o autor detém 10% de participação societária.

“Assim, a remuneração não era destinada à pessoa física do autor, mas sim à empresa da qual é sócio dito minoritário. Entender em sentido diverso significaria assumir que o reclamante, membro do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, e, portanto, profundo conhecedor da legislação pátria, estaria desempenhando atividade empresária, não somente na condição de sócio minoritário, conforme aponta o contrato social da empresa, mas sim na condição de administrador, o que é vedado pela Constituição Federal (artigo 128, II, ‘c’) e pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº. 8.625/93, artigo 44, III)”, escreveu na sentença.

 

Contrato de parceria

Além de se referir ao contrato de prestação de serviços como professor, a julgadora citou detalhes do “Contrato de Parceria para a Exploração Conjunta de Curso de Pós-Graduação Lato Sensu — Direito Administrativo” entabulado entre ambas as pessoas jurídicas. Deste documento e das provas recolhidas ao processo, depreende-se que a pactuação de remuneração seria escalonada com base no número de alunos matriculados.

“Ora, tal disposição, em conjunto com o contrato de parceria firmado, conduz à conclusão de que o autor não seria somente um professor ou um coordenador, mas participaria diretamente dos frutos do negócio que estava em gestação, em franca prática de atos de comércio”, concluiu.

A juíza também destacou, com base em testemunhos, que o promotor destinava 40 horas semanais para coordenar as atividades de ensino da reclamada, o que afeta o desempenho do “múnus público”. E mais: as atividades eram desempenhadas em outro estado, em clara inobservância ao contido no artigo 2º da Resolução 73/2011, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Por todo o conjunto probatório, a julgadora julgou improcedente a ação reclamatória. Afinal, a acumulação entre as funções de promotor de justiça e a de professor não obedeceu a parâmetros constitucionais e de regulamentos da carreira do Ministério Público, tornando o reconhecimento do vínculo de emprego impossível.

Por presumir que o membro do MP conhece a legislação e, mesmo assim, acionou o indevidamente o Poder Judiciário para reivindicar um direito que não tem, ela multou o autor por litigância de má-fé em R$ 50 mil — 5% sobre o valor arbitrado à reclamatória.

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Processo 0021752-55.2016.5.04.0026

 

Conjur, 11 de dezembro de 2019