Transportadora é condenada por não prestar assistência a vítima de estupro coletivo em balsa no Pará

19 de setembro de 2018

A balsa, que transportava madeira e óleo, foi atacada por “piratas”.

 

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Ponte Empreendimentos e Logística Ltda., de Belém (PA), a indenizar uma cozinheira vítima de estupro coletivo durante um ataque de “piratas” a uma balsa de transporte de madeira. Embora tenha reconhecido que a empresa não é responsável objetivamente pela ocorrência do crime, a Turma concluiu que ela foi omissa ao não prestar assistência à empregada após o ocorrido.

Em novembro de 2012, ao fazer a rota Belém-Santarém, o barco foi abordado por quatro homens que roubaram todos os pertences da tripulação e o óleo diesel utilizando armas de fogo. Com medo, a mulher se escondeu num dos camarotes e lá foi estuprada pelos assaltantes durante duas horas.

 

Risco

O juízo da 13ª Vara de Belém considerou “descabida” a indenização pois não era possível reconhecer a responsabilidade do empregador diante da ausência de conduta culposa ou omissiva, e julgou improcedentes todos os pedidos.

O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP), por sua vez, havia entendido que a atividade da empresa de transporte de madeira seria de risco e que, por isso, a responsabilidade seria objetiva. Na decisão, foi fixada uma indenização de R$ 600 mil. “Além da carga transportada na embarcação (toras de madeira), o óleo funciona como moeda de troca de alto valor para os ribeirinhos e, sem dúvida, se a empresa tivesse em suas embarcações vigilantes, estes poderiam reprimir a prática de muitos delitos que comumente acontecem, como desvio de óleo, prostituição infantil e subida de ribeirinhos a bordo”, registrou o TRT.

 

Terceiros

Para o relator do recurso de revista da Ponte, ministro Guilherme Caputo Bastos, “não há que se falar em responsabilidade objetiva”, pois a atividade de transporte de madeira não é de risco, e o crime se deu por culpa de terceiros. “A empregada exercia a função de cozinheira de bordo e era responsável pela alimentação dos demais empregados durante o transporte de madeira e óleo pela via fluvial”, observou. “Embora seja objeto de repúdio o abuso sofrido, não é possível transferir para a empresa um ônus que, na verdade, caberia ao Estado, que tem o dever de zelar pela segurança pública a fim de evitar a ocorrência de crimes, tais como os praticados contra a dignidade sexual”.

 

Omissão

O ministro destacou, no entanto, que, de acordo com o quadro registrado pelo TRT, ficou clara a responsabilidade subjetiva (que exige a caracterização da culpa) da Ponte Empreendimentos, que foi omissa ao deixar de prestar socorro à cozinheira após sofrer o estupro e ainda determinou que o comandante seguisse viagem normalmente. “É indubitável que a empresa não é responsável objetivamente pela ocorrência do crime. Entretanto, a sua conduta após o estupro demonstra a ausência de qualquer prestação de assistência, a qual era imprescindível para assegurar a higidez biopsíquica da empregada e, por conseguinte, evitar o agravamento dos transtornos que provêm de um infortúnio tão grave”.

Destacando os impactos que a violência sexual acarreta para as mulheres, o relator afirmou que o acompanhamento psicológico era necessário para evitar outros danos como depressão, transtornos ou até suicídio, o que não ocorreu. “Logo, a empregada tem direito ao pagamento de compensação por dano moral”, concluiu.

Por maioria, a Turma deu provimento ao recurso e determinou a redução do valor da condenação para R$ 50 mil.

 

Divergência

Ficou vencido o ministro Alexandre Luiz Ramos, que entendeu não haver direito a indenização por danos morais. A seu ver, não há um dever jurídico geral de assistência, de forma que a omissão não caracterizaria ato ilícito que respaldasse a pretensão.

(JS/CF)

O número do processo foi omitido para preservar a intimidade da vítima.

 

TST, 19 de setembro de 2018