A constrição de imóvel por fraude à execução na Justiça do Trabalho

31 de agosto de 2018

OPINIÃO

Por  e 

Há alguns anos temos nos deparado com decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, amparadas pelo princípio da proteção do hipossuficiente e do caráter alimentar do crédito trabalhista, declarando sistemática e indiscriminadamente fraude à execução em inúmeras reclamações trabalhistas, tornando-se frequentes o desconforto e a insegurança dos interessados em investir no setor imobiliário, obrigando-os a ajuizar embargos de terceiro para defender a sua condição de terceiros de boa-fé.

Dentro desse princípio, a Justiça do Trabalho, ao declarar fraude à execução, torna ineficazes relativamente (isto é, quanto àquele credor em particular) as alienações de bens imóveis realizadas pela pessoa física de sócios ou ex-sócios da pessoa jurídica empregadora, mesmo em relação a bens que jamais tenham integrado o patrimônio da empresa ré. A ineficácia, assim declarada, alcança, portanto, terceiro totalmente estranho à relação jurídica processual — o adquirente do bem ou seus sucessores.

Ressalte-se que, na maioria das vezes, o juiz do Trabalho, ao determinar a execução dos bens pessoais dos sócios e, consequentemente, tornar ineficaz relativamente qualquer transmissão por eles realizadas no decorrer da execução, nem sequer analisa o preenchimento dos requisitos do artigo 792 do CPC. E assim tem feito, inclusive, em relação àquelas situações em que o interessado apresenta provas inequívocas das cautelas normais tomadas, tais como obtenção de certidões de todos os distribuidores forenses, especialmente da Justiça do Trabalho em nome do titular do imóvel e de seus antecessores nos últimos 10 anos, ainda que hoje dispensáveis essas certidões forenses pela aplicação da regra do “princípio da concentração”, adiante referido.

Dadas às reiteradas situações injustas criadas por esse procedimento, o TST e os tribunais regionais, através de seus provimentos, determinaram a inclusão, no serviço de distribuição, do nome de sócios responsabilizados por créditos trabalhistas da empresa, editados justamente para dar ciência da existência de processo em face do sócio ou ex-sócio, de sorte a ensejar a inclusão de seus nomes no distribuidor da Justiça trabalhista, disponibilizando tal informação ao terceiro interessado.

Não obstante, a Justiça do Trabalho, sob o pretexto de proteger o direito alimentar do empregado em detrimento do terceiro de boa-fé, legítimo proprietário de um bem que tenha sido penhorado em uma ação judicial, cria absoluta insegurança nos negócios jurídicos, ignorando por completo o senso de justiça que deve nortear a função jurisdicional e desrespeitando sua própria orientação normativa, além de gerar um ônus adicional para o adquirente que precisa se defender judicialmente para ter seu imóvel livre e desonerado.

É importante esclarecer que em momento algum se questiona a função primordial da Justiça do Trabalho, ao amparar o trabalhador que teve seus direitos violados, mas, sim, assegurar ao terceiro de boa-fé, que tomou todas as precauções legais cabíveis, a mínima segurança ao adquirir o bem imóvel desejado, cabendo ao reclamante o ônus de comprovar a existência de má-fé do adquirente, sobretudo quando na matrícula do imóvel não consta qualquer apontamento da penhora, conforme prevê o artigo 792, II, do CPC.

Não é demais relembrar que o artigo 54 da Lei Federal 13.097/2015 trouxe um relevante avanço para a segurança jurídica nos negócios imobiliários, pois, conforme referido dispositivo legal (“princípio da concentração”), não poderão ser opostas a terceiros de boa-fé as situações jurídicas que impliquem em fraude contra credores ou à execução que não estejam apontadas na matrícula do imóvel. Isso significa dizer que, se nenhum gravame constar no referido documento, a transação efetuada deve ser reputada plenamente eficaz.

A comunidade jurídica espera que a Justiça do Trabalho aplique referido artigo 54 em sua exata dimensão de propulsor da sempre desejada segurança jurídica, fonte de riqueza e de prosperidade para toda a população.

Assim, somente mediante a prova da má-fé do terceiro adquirente ou existência de apontamento da penhora no registro do bem alienado é que a Justiça do Trabalho poderia determinar a constrição do imóvel por fraude à execução, tal como previsto na Súmula 375 do STJ.

Essa seria a única interpretação possível, pois, se assim não fosse, qualquer sócio ou ex-sócio de empresa estaria impedido de realizar alienações imobiliárias, já que um dia, no futuro, estas poderiam vir a ser anuladas pela Justiça do Trabalho, pois seriam sempre potenciais executados em reclamação trabalhista. É inadmissível tal raciocínio, principalmente quando se invoca o dispositivo constitucional que garante o direito de propriedade.

Nos inúmeros embargos de terceiro ajuizados sempre defendemos a tese da imperiosa necessidade da Justiça do Trabalho proteger o direito do terceiro de boa-fé e garantir a veracidade da certidão negativa obtida junto ao distribuidor forense em nome do alienante, sócio ou ex-sócio da empresa executada e das informações constantes da matrícula do imóvel, assegurando-se, dessa forma, a concretização do negócio.

Dentro desse contexto, em recente decisão, já transitada em julgado, o Tribunal Superior do Trabalho acolheu recurso de revista reconhecendo a inexistência de fraude de execução pela condição de terceiro de boa-fé do adquirente do imóvel, sob o seguinte fundamento:

“No caso, os elementos fáticos descritos pelo Tribunal de origem permitem novo enquadramento jurídico da questão.
Com efeito, conforme descrito pelo eg. Tribunal de origem, a época da alienação do imóvel, ora constrito, não pendia sobre ele registro de penhora. Além disso, não se tem comprovada a má-fé do terceiro adquirente, na medida em que, consoante certidão emitida pelo distribuidor trabalhista, não constavam ações em nome da sócia executada a época da aquisição do bem. A má-fé da alienante, ainda que presente, não pode atingir o terceiro que atuou de boa-fé.
Esse fato afasta a aplicação do item IV do art. 792 do CPC/15, segundo o qual se considera fraude à execução quando, ao tempo da alienação, pendia contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência.
Desse modo, não comprovada a má-fé do terceiro adquirente, deve ser protegido o seu direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF) a fim de tornar insubsistente a penhora realizada sobre o imóvel de matrícula…., objeto de discussão nesses autos” (Processo TST-RR-298-16.2013.5.02.0079).

Assim, o TST, ao decidir dessa forma, consolida o entendimento de garantir ao jurisdicionado o mínimo de segurança em suas relações jurídicas, notadamente em casos que envolvam terceiro de boa-fé, que, comprovadamente, tenha tomado todas as cautelas de praxe para a aquisição, principalmente diante da prova de inexistência de pendência em face dos vendedores do imóvel, além de reconhecer que a diligência exigida, por nosso ordenamento, do comprador de imóvel, não pode ultrapassar o limite do possível e razoável, com a exigência de pesquisas infindáveis, aniquilando a dinâmica e a segurança exigidas nos negócios imobiliários.

 

Marcelo Terra é sócio do Duarte Garcia, Serra Netto e Terra – Sociedade de Advogados e membro do Conselho Jurídico do Secovi-SP.

Eliane Gago é sócia do Duarte Garcia, Serra Netto e Terra – Sociedade de Advogados, especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP e graduada pela Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo.

 

Conjur, 31 de agosto de 2018.