Companhias adotam seleção às cegas para evitar a influência de preconceitos inconscientes
A engenheira de software Karen Zanlutti, contratada a partir do modelo de recrutamento às cegas pelo Nubank –
Empresas em busca de mais diversidade agora querem saber menos sobre os candidatos a suas vagas para tentar escolhê-los melhor.
Elas têm adotado currículos que não trazem informações que normalmente são entendidas como básicas, como nome, idade, endereço e, em alguns casos, até o local onde a pessoa estudou.
Ao menos nas primeiras etapas da seleção, essas informações são ignoradas e dão lugar a testes práticos feitos a partir da internet. Com isso, essas empresas buscam reduzir a influência de preconceitos inconscientes em suas decisões.
Usando a estratégia, são levadas mais em conta as competências do candidato do que se ele recebeu uma indicação de amigo ou trabalhou em determinada empresa, o que é comum no mercado publicitário, diz Flávia Campos, diretora da agência Artplan.
A companhia, de 360 funcionários, adotou a seleção às cegas há dois meses, usando sistema de recrutamento da startup Empregare.
A plataforma dá a opção de esconder dados pessoais do candidato e criar testes para avaliar as habilidades dele.
A Artplan contratou três pessoas pelo modelo. Outras 15 estão em processo de seleção, segundo Campos.
“Não é um processo fácil. Ele costuma ser mais demorado do que a indicação e às vezes posso estar precisando de alguém com urgência. Mas vamos manter, pois temos uma crença de que é importante não contratar o mesmo tipo de pessoa sempre”, diz.
Na startup financeira Nubank, a seleção às cegas é adotada para a área de tecnologia, em que a maioria dos profissionais é formada por homens, e está sendo levada também para o setores de atendimento e produtos, afirma Silvia Kihara, líder da área de recrutamento da empresa.
A engenheira de software Karen Zanlutti, 35, foi contratada a partir do modelo.
Sua primeira avaliação levou em conta, em vez do currículo, seu desempenho na hora de escrever um código. Seus futuros colegas analisaram seu exercício sem saber nada sobre ela.
Zanlutti diz que, diferentemente do que aconteceu em outros processos, se sentiu à vontade na etapa final da seleção, uma entrevista pessoal.
“Já tinham revisado meu exercício e sabiam do que eu era capaz. Não tinha ninguém me julgando, e a pressão foi menor. Em várias situações em minha vida senti que precisava me provar muito para ser ouvida”, diz.
Felipe Couto, sócio da startup Vulpi, para recrutamento de desenvolvedores de software, diz que a contratação de mulheres a partir do serviço da empresa cresceu 30% após sua plataforma passar a trabalhar com seleção às cegas, há um ano e meio.
“Quando mostramos o gênero antes, vem primeiro o preconceito. Quando escondemos, a pessoa acessa primeiro as habilidades e o perfil do candidato.”
Mesmo assim, a participação de mulheres nas contratações feitas a partir da plataforma ainda fica abaixo da de homens, em 24%, diz Couto.
Folha de S.Paulo,31 de julho de 2018.