Obrigatoriedade do imposto sindical acabou com a reforma trabalhista e sindicatos perderam 86% da receita em um ano. Ignorada pela mudança na lei, Sistema S arrecadou ainda mais dinheiro
Bonecos da campanha da Fiesp intitulada “Chega de engolir sapos”:
entidades que compõe m o Sistema S, que não entraram na reforma trabalhista, aumentaram a arrecadação. Fiesp/Divulgação
A reforma trabalhista acabou com a obrigatoriedade do imposto sindical. Com isso, sindicatos viram sua arrecadação cair drasticamente de 2017 para 2018 – o tombo foi de 86%, considerando as parciais dos quatro primeiros meses do ano, já que o imposto geralmente é pago em março. Sem ter sido atingido pela mudança na lei, mas na mira do Tribunal de Contas da União (TCU), o Sistema S conseguiu arrecadar ainda mais dinheiro em 2018: foi um crescimento de 8% na parcial do primeiro quadrimestre. Em 2017, a receita total do Sistema S foi seis vezes maior que a dos sindicatos, incluindo as entidades patronais.
Durante o ano passado inteiro, sindicatos (patronais e laborais), federações e centrais arrecadaram juntas R$ 2,7 bilhões – desse valor, R$ 2,1 bilhões chegaram até abril, graças ao imposto sindical. Depois que a cobrança deixou de ser obrigatória, a fonte de recursos dos sindicatos secou. Nos quatro primeiros meses de 2018, a contribuição sindical recebida pelas entidades foi de R$ 289,9 milhões – recuo de 86%.
A situação é ainda mais curiosa porque a queda na arrecadação chegou para todo mundo, mas foi mais sentida pelos sindicatos de empregados em comparação ao de empregadores. Em 2017, até abril, os sindicatos de empregados tinham arrecadado R$ 1,1 bilhão, contra R$ 521,3 milhões das entidades que representam os empregadores. No acumulado do ano, a arrecadação havia sido 2,5 vezes maior em favor das entidades patronais.
Em 2018, a situação se inverteu: os sindicatos dos empregadores arrecadaram 33% mais que as entidades que representam os trabalhadores – são R$ 137 milhões contra R$ 102,4 milhões.
Sem mexer na receita do Sistema S
De fora da reforma trabalhista, o Sistema S – composto por nove entidades voltadas ao ensino e capacitação do trabalhador e oferta de serviços culturais e de lazer, como o Senai e o Senac – aumentou a arrecadação. A contribuição para as entidades é obtida com o desconto de um porcentual diretamente na folha de pagamento. Em 2017, as entidades obtiveram R$ 16,4 bilhões – R$ 5,9 bilhões só no primeiro quadrimestre. De janeiro a abril de 2018, já foram arrecadados mais R$ 6,4 bilhões, um crescimento de 8%.
O volume de recursos repassados ao Sistema S foi 6,5 vezes maior que a contribuição sindical arrecadada em 2017. A crítica é de que há pouca transparência em relação a como esse dinheiro é aplicado. As entidades que compõem o Sistema S fazem sua prestação de contas próprias e passam por sistemas de auditoria internos. Mas não há uma fiscalização em cima desse dinheiro, que é descontado compulsoriamente da folha de pagamento – e com a reoneração de alguns setores, uma contrapartida do governo Temer para baixar o preço do diesel, isso pode aumentar.
Por isso, esses recursos estão na mira do TCU. O plenário do órgão aprovou uma auditoria para averiguar a arrecadação direta e indireta das entidades do Sistema S em 2017. O pedido partiu do Senado e, apesar de as entidades possuírem personalidade jurídica de direito privado, recebem contribuições parafiscais, o que permite a atuação da Corte. A auditoria, aprovada no começo de junho, terá prazo de 60 dias e atingirá 229 unidades do Sistema S.
O professor do Insper Sergio Firpo endossa a tese de que é preciso ter mais clareza em como esses recursos são utilizados. “Outra coisa, tão ou mais importante, é saber se os projetos escolhidos geram os impactos que a sociedade deseja e se está sendo um dinheiro bem investido”, diz ele.
“Para que a gente quer o Sistema S? Qual é o impacto de cada real gasto no sistema com o bem-estar da população? Estamos atingindo um objetivo social que compense o uso desse dinheiro? Se sim, eu acho válido manter como está. Se não, talvez tenhamos de repensar se essa contribuição obrigatória deve permanecer ou não”, pondera Firpo.
Do outro lado, Dieese aponta problemas da crise sindical: greve de caminhoneiros
Por outro lado, os sindicatos de trabalhadores enfrentam problemas de caixa com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical.
Para o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, a queda na receita é muito grande, abrupta e sem nenhuma transição e “inclusive com mecanismos que visam a coibir a participação do trabalhador no financiamento”. A crítica, nesse caso, é para a necessidade de o trabalhador precisar documentar a autorização para desconto do valor do imposto sindical.
Lúcio pondera que os próprios sindicatos já trabalhavam em alternativas para a cobrança do imposto, mas cortar de uma hora para outra a contribuição foi um golpe duro para o movimento sindical. Para ele, o país já vive as consequências dessa situação, que não afeta apenas os trabalhadores. Um exemplo foi a greve dos caminhoneiros, em que o país todo viu “o que significa não ter uma liderança consolidada capaz de conduzir uma negociação”.
Sindicatos terão de conquistar associados, diz especialista
Os críticos do imposto sindical costumam afirmar que a verba estimulou a criação de sindicatos que foram criados apenas para receber esse recurso, sem efetivamente representar o trabalhador.
Nos últimos anos houve uma proliferação de sindicatos no país – alguns que pouco contribuíram na representação dos trabalhadores. “Esses sindicatos perderam o financiamento obrigatório e só vai fazer sentido eles permanecerem em atividade se prestarem serviços que de fato sejam úteis aos representados”, analisa o professor do Insper Sérgio Firpo.
Na visão de Firpo, num primeiro momento, é fundamental que os sindicatos consigam transformar aquelas pessoas que só pagavam o imposto por obrigação em associados que de fato contribuam ativamente. “Você vai participar do sindicato da sua categoria desde que traga benefícios”, pondera.
E há espaço para oferecer serviços. Se a homologação da demissão não é mais obrigatoriamente feita no sindicato, a entidade pode oferecer o serviço de um especialista que checa se a quitação está sendo feita de forma correta. Ou prestar serviços para as famílias dos associados – de creches a plano de saúde. “Isso poderia ser usado para autofinanciamento dos sindicatos, ao mesmo tempo mantendo uma relação orgânica com os associados”, diz.
O professor ainda ressalta que essa é uma oportunidade de fortalecimento dos sindicatos. “A gente acha que dinheiro resolve tudo, mas não é. Tem a questão de participação e gestão, que são super importantes. É uma oportunidade para se resgatar isso, que ficou perdido”, pondera.
Raio X
A reforma trabalhista tornou o pagamento do imposto sindical opcional. O fim da obrigatoriedade representou uma queda drástica na arrecadação de sindicatos, federações, confederações e centrais entre 2017 e 2018. Por outro lado, o Sistema S, que não foi sequer mencionado na reforma, viu sua arrecadação aumentar do ano passado para cá.
Sistema S X Imposto Sindical
Em 2017, a arrecadação total do Sistema S foi quase seis vezes maior que todo o dinheiro obtido com imposto sindical, incluindo as contribuições para sindicatos patronais.
Sindicato laboral X Patronal
A mudança nas regras do imposto sindical também ocasionou uma situação atípica. Em 2018, a arrecadação dos sindicatos dos empregadores é maior que a dos empregados.
Arrecadação laboral era o dobro da patronal em 2017. Em 2018, os sindicatos patronais arrecadaram 33% mais que as entidades que representam os trabalhadores. No acumulado de 2017, a arrecadação dos sindicatos laborais era 2,5 vezes maior que a dos patronais.
* valores até abril. O imposto sindical geralmente é cobrado em março e aparece nas contas do mês de abril.