Máquinas podem tirar 52 milhões de empregos no Brasil em até 20 anos

4 de outubro de 2019

Cerca de 52,1 milhões de postos de trabalho – mais da metade dos empregos formais e informais no Brasil (58,1%) – podem ser substituídas por máquinas nos próximos dez a 20 anos. É o que aponta um estudo da consultoria IDados, que cruza a base de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do IBGE com um estudo da Universidade de Oxford. A pesquisa separa as ocupações em faixas de risco de automação.

 

  

Conforme o estudo elaborado pelo economista Bruno Ottoni e pelo matemático Paulo Rocha e Oliveira, o número refere-se aos empregos classificados na faixa de “risco alto” (maior do que 70%) de serem exercidos de forma automatizada nas próximas décadas por tecnologias já existentes. São geralmente as ocupações que não demandam originalidade e criatividade para serem exercidas, além de não exigirem relações socioemocionais e certas habilidades motoras.

Um exemplo bem acabado dessas profissões ameaçadas é a condução de automóveis, táxis e caminhonetes (98% de probabilidade de automação), tarefa que tende a ser substituída por carros autônomos, como os famosos veículos da Waymo – a divisão de automóveis sem motorista do Google. Também estão na lista cobradores, entrevistadores de pesquisa de mercado, balconistas de serviços de alimentação e garçons.

Os empregos que demandam originalidade e criatividade, além das mencionadas habilidades socioemocionais, seriam os mais blindados. Com baixo risco de automatização estão 22,8% dos empregos hoje existentes no país, o correspondente a 20,5 milhões de vagas. Outros 19,1% dos empregos são classificados de risco médio de automação – são cerca de 17,1 milhões postos de trabalho.

Das vagas com pouco risco de serem ocupadas por máquinas estão gerente de hotéis, psicólogo, engenheiro químico, advogados, juristas e veterinários. “O gerente de hotel, por exemplo, precisa da habilidade de se relacionar com funcionários e hóspedes. Um robô não substitui esse contato”, diz o economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados, acrescentando que a lógica vale para outros cargos gerenciais.

Os autores alertam que fatores políticos e econômicos podem impedir que o potencial de automação calculado no estudo seja totalmente realizado. Um fator econômico é o custo da mão de obra brasileira. “O salário no Brasil é relativamente baixo e isso pode tornar menos atraente para um empresário investir na substituição do empregado pelo trabalho da máquina”, afirma o economista, acrescentando que os custos de importação de equipamentos não são triviais.

No campo político, os exemplos de interferência sobre a automação de empregos são mais abundantes. Um notório é o frentista de posto de combustível. Quem viajou para Europa e Estados Unidos sabe que essa é uma profissão rara. No Brasil, a Lei 9.956/2000, de autoria do então deputado do PCdoB-SP, Aldo Rebelo, proíbe o funcionamento de “bombas de autosserviço operadas pelo próprio consumidor nos postos de abastecimento de combustíveis, em todo o território nacional”.

Outro exemplo vem do Rio de Janeiro. O sindicato das empresas de ônibus da cidade, a Rio Ônibus, precisou ingressar com uma ação judicial para suspender os efeitos da Lei Municipal 6.304/2017, que determinava a volta dos cobradores aos ônibus da cidade. O avanço de pagamentos do bilhete por meio de cartões vem permitindo a substituição dos cobradores. Uma parte residual das vendas de bilhetes passou a ser exercida pelos motoristas dos ônibus, que acumularam as funções.

Os economistas costumam afirmar que a automação cresce desde a revolução industrial – mas nem por isso os empregos acabaram. “O tipo de trabalho muda, mas o trabalho não acaba”, afirma Ottoni. Por isso mesmo, os autores veem a criação de barreiras como uma forma equivocada de lidar com a ampliação da capacidade da máquina de substituir o trabalho humano. Eles sugerem preparar o capital humano para as novas ocupações que irão surgir, sobretudo em áreas como cibersegurança e big data.

A rede de lanchonetes Bob’s vem instalando máquinas de autoatendimento em suas franquias desde 2014. Os equipamentos substituem os tradicionais atendentes de caixa e têm permitido reduzir as filas no atendimento, além de terem elevado o ticket médio de vendas em 25% nos últimos anos. Parte dos empregos reduzidos nos caixas teria sido compensada, mesmo que parcialmente, na própria loja e também na área administrativa da rede de fast food.

“A jornada digital criada pelas máquinas de autoatendimento criou vagas na empresa para desenvolvedores e programadores. Parte do pessoal do caixa também foi parar na frente da loja para receber os clientes como anfitriões. Os consumidores gostam desse contato pessoal, de se sentirem acolhidos”, diz Antonio Detsi, diretor-geral da rede Bob’s, acrescentando que 70% das 700 lojas (próprias e franqueadas) contam com totens de autoatendimento.

O avanço tecnológico gerou demanda por novos tipos de trabalho. Para preencher parte dessas lacunas de formação de mão de obra, a Fundação Getulio Vargas (FGV) criou neste ano o curso de graduação em Ciência de Dados no país. Oferecido pela Escola de Matemática Aplicada (Emap), o curso terá tópicos como aprendizado de máquinas, modelagem estatística aplicada, criptomoeda, big data. No vestibular que acontece neste mês serão preenchidas 40 vagas. Este número deverá crescer para 80 vagas em 2021.

Diretor da Escola de Matemática Aplicada da FGV Rio, o matemático César Camacho diz que o curso surgiu a partir da constatação de que o mercado de trabalho demanda cada vez mais pessoas com essa formação. Nos EUA, há diversos cursos de graduação de ciência de dados presenciais e on-line. “Os americanos estão conscientes de que o emprego vai nessa direção. Além de formar pessoas de forma massiva nessa área, eles também estão investindo pesadamente em pesquisa”, disse Camacho.

Por ter levado em conta referências internacionais de automação, o levantamento permite a comparabilidade com outros países em desenvolvimento. Em geral, a proporção de empregos automatizáveis tende a ser negativamente relacionada com o grau de desenvolvimento de cada país. A proporção, por exemplo, é menor na Suécia, Reino Unido, Estados Unidos, Irlanda, Holanda, Bélgica, Dinamarca, para citar apenas alguns.

O Brasil está um pouco “melhor” nesse ranking do que vizinhos como Paraguai e Argentina. Mas os países com indicadores próximos ao brasileiro são variados em termos de desenvolvimento, como Portugal, Mongólia e Chipre. “Nossos indicadores mostram que existe uma relação negativa entre a proporção de empregos automatizáveis e o grau de desenvolvimento de cada país, considerando o produto interno bruto per capita”, afirma Ottoni.

 

Vermelho, 04 de outubro de 2019