Para economista da USP, a política econômica do ministro de Bolsonaro revela uma falta total de visão para uma retomada da economia.
A população começou a conhecer o atual ministro da Economia ainda na campanha eleitoral, quando o então candidato Jair Bolsonaro já delegava e ele a formulação da sua política econômica ultraliberal. “Muita gente via o Paulo Guedes como alguém de alguma razoabilidade. Mas não parece ser. Ele parece ser outro tipo de guru”, diz a economista Laura Carvalho.
Professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Laura é a convidada do Entre Vistas, com Juca Kfouri, às 22h desta quinta-feira (15), na TVT. “O que está claro é que ele não conhece nada de Estado, nada de política. Quem está tocando o governo são os técnicos que estavam lá antes, senão seria uma tragédia.”
O Entre Vistas tem ainda participação da jornalista Denise Neumann, ex-Valor Econômico, e Carlos Eduardo de Oliveira Júnior, diretor do Sindicato dos Economistas de São Paulo
Ela lembra que, logo no início do governo, com a conhecida falta de traquejo político, Guedes já criava problemas na relação com o Congresso Nacional. Por exemplo, ao lançar propostas como a de uma carteira de trabalho verde e amarela ou tentar impor o regime de capitalização na reforma da Previdência, nenhuma das quais vingou. “Ele falava coisas sem a menor exequibilidade”, afirmou a economista no Entre Vistas que vai ao ar nesta quinta.
Seja como for, Guedes é o ministro e, com a atual política econômica, “há uma falta total de medidas que visem a uma retomada da economia”. “A única medida que até agora tem a ver com estimular a economia é a liberação de saques do FGTS, que tem impacto pequeno e de curto prazo.” A expectativa do resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2019 é algo muito próximo de zero, alguns décimos para mais ou para menos, avalia.
Para ela, independentemente das políticas de governo, há problemas estruturais no país, entre os quais destaca o sistema tributário. “A tributação no Brasil concentra renda em tal grau, ao tributar muito o consumo e muito pouco o patrimônio, que estudo do Ipea (Comunicado n° 92) mostra que todo gasto público que redistribui a renda, basicamente, serve apenas para neutralizar o efeito concentrador da tributação”, diz. “Isso é algo absurdo. “Nos outros países a tributação também serve para redistribuir renda.”
No Congresso Nacional tramita uma proposta de emenda à Constituição, preparada pelo economista Bernard Appy e apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que propõe unificar três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), extinguir o ISS, todos sobre o consumo, criando um Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).
A proposta pode ter aspectos positivos, como a simplificação do sistema. “As empresas pequenas, que não têm como contratar um advogado tributarista, também sofrem muito com o sistema atual. É muito confuso. Simplificar também ajuda os pequenos”, diz Laura. “Mas (a proposta) não resolve o problema principal da tributação brasileira, que é a regressividade, o fato de que quem paga mais são os mais pobres, e não os mais ricos. Essa proposta não resolve.”
Por sua vez, sem contar o “problema terrível do sistema tributário”, continua a economista, a conjuntura não promete, com um quadro em que a demanda está estagnada e o cenário mundial também não ajuda, com desaceleração da China, tensão entre americanos e chineses, queda do preço do petróleo. “E aqui o consumidor, desempregado, não consome, a renda é instável e ele não consegue antever o futuro. O empresário não quer investir porque não vende, tem capacidade ociosa, e quem deveria entrar é o Estado, que está retraindo seu papel na economia.”
Previdência
Na opinião da economista da USP, o que impediu que a crise no Brasil fosse ainda mais profunda foi a “rede de proteção social mínima”, principalmente a Previdência Social. “Na prática, o fato de ter gente com aposentadoria, numa situação de crise, é o que segura. Em muitos casos o idoso sustenta várias pessoas na família.”
Embora muitos economistas tratem a própria Previdência e o Estado como os maiores problemas, a situação seria “ainda mais dramática caso não tivesse havido um pacto em 1988 (com a Constituição promulgada naquele ano) para ter um sistema mínimo de proteção social”.
Laura observa ainda que, ao lado da chamada “rede de proteção social”, houve avanço da redistribuição de renda nos anos 2000, com o governo Lula, em um cenário de redução de desigualdade, dívida pública estável, controle da inflação, desemprego baixo e crescimento econômico sustentável. “Conseguimos isso enquanto vigorou um cenário externo favorável e um conjunto de políticas acertadas. Foi possível fazer o PAC, investimento em infraestrutura, programa social universal, valorização do salário mínimo, sem descontrolar as contas públicas, porque o país estava crescendo.”
A situação, embora ainda lentamente, começou a mudar já no início da década atual, de acordo com a análise da economista. “A economia já começa a desacelerar em 2011, quando acaba o boom de commodities que a gente aproveitou.” A partir de então, começa no país uma desaceleração e um período de crescimento baixo, mas a taxa de desemprego também ainda era baixa.
Crítica
“A recessão começa no segundo trimestre de 2014. De 2015, com Joaquim Levy (no governo Dilma Rousseff), passou-se a um ajuste fiscal muito baseado no corte de investimentos públicos. Começa uma estratégia de cortar rápido para ajustar as contas”, lembra.
“O maior erro no primeiro mandato da ex-presidente Dilma – e ela mesma disse isso em algumas entrevistas – foi a ideia de desonerar a folha de pagamentos e outras medidas que reduziram impostos para grandes corporações, (e foram) estendidas para todos os setores da economia”, critica.
O resultado não foi a retribuição de empresários e investidores. Pelo contrário. “O empresário não investiu e não exportou. Isso não costuma dar certo. Isso nem sequer é associado a uma agenda progressista. Um dos principais erros foi ter investido nisso, ainda mais numa situação em que a economia desacelerava. Os empresários embolsaram essas margens de lucro maiores e acabou.”
Apresentado pelo jornalista Juca Kfouri, o programa será exibido pela TVT, no canal aberto digital 44.1 na Grande São Paulo. E estará no canal do YouTube da emissora e na RBA a partir das 22h desta quinta.