Ao entregar o show de horrores que prometeu ao longo de sua carreira política e da campanha de 2018, o presidente Jair Bolsonaro depende cada vez mais de uma melhora da economia para ir além dos 25% a 30% do eleitorado que parece identificar-se, ainda que em graus distintos, com sua agenda perversa.
Por Laura Carvalho*
A aprovação da reforma da Previdência, de uma nova reforma trabalhista ou da agenda de privatizações do ministro Paulo Guedes, quando interpretada à luz do diagnóstico repetido à exaustão de que nossa crise foi causada por um excesso de intervencionismo e gastança estatais, tem levado muitos analistas a projetar para Bolsonaro um cenário similar ao que enfrentará Donald Trump nas eleições do ano que vem.
Afinal, nos EUA, a alta rejeição de Trump não deve ser suficiente para impedir sua reeleição em meio à mais longa expansão da história da economia norte-americana e à taxa de desemprego mais baixa dos últimos 50 anos no país.
O que essas análises desconsideram é que a economia brasileira vive a mais lenta recuperação de sua história justamente porque a agenda econômica implementada no país desde 2015 partiu das mesmas premissas equivocadas. Aliás, não seria exagero afirmar que os mesmos analistas que preveem uma retomada rápida nos próximos anos já projetavam forte recuperação da economia no governo Temer, sobretudo após a aprovação do “teto de gastos” e da reforma trabalhista.
Se partimos do diagnóstico alternativo de que a estagnação da economia é fruto de um grave quadro de insuficiência de demanda, fica difícil enxergar entre as medidas anunciadas até aqui ou no cenário projetado para a economia internacional algum motor de crescimento significativo. A redução da taxa básica de juros, por exemplo, não costuma ser suficiente para trazer novas decisões de investimento em uma economia deprimida, em que os empresários ainda se deparam com baixo crescimento das vendas e alto grau de capacidade ociosa.
Para tanto, seriam necessários estímulos autônomos que vão além da liberação de saques de contas do FGTS, como uma expansão de investimentos públicos em infraestrutura física e social – hoje interditada pelas regras fiscais vigentes. Além disso, as evidências sugerem que, para que haja crescimento significativo da renda na base e no meio da pirâmide, não basta a economia crescer um pouco – o desemprego também tem de cair de modo significativo.
Se o ritmo de queda no número de desempregados apontado pela mais recente Pnad Contínua – e celebrado por alguns – continuar exatamente o mesmo pelos próximos três anos, chegaremos a julho de 2022 com uma taxa de desemprego próxima dos 11% (supondo que a força de trabalho crescerá ao ritmo médio observado desde o início da série em 2012).
Em um cenário um pouco mais otimista, em que o desemprego caia por três anos seguidos ao ritmo observado no segundo trimestre de 2018 – após a economia crescer 1% em 2017 –, o desemprego em julho de 2022 ainda seria de 10,3%. E mesmo se, por fatores hoje totalmente inesperados, o desemprego caísse ao maior ritmo verificado desde o início da série – observado após um crescimento de 3% do PIB em 2013 –, a taxa só iria para 8,7%. Note-se que essa taxa era de 6,8% nas eleições de 2014 e é de 3,7% nos EUA de Trump.
O que Bolsonaro ainda não entendeu, portanto, é que animar a própria torcida e o tal mercado pode não ser suficiente para angariar 50% mais um de um eleitorado que já tem sofrido demais com a insegurança econômica desde 2015. E o mais triste nisso tudo é que, como sempre, os mais vulneráveis é que pagarão mais caro por essas escolhas.
* Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, é autora de Valsa Brasileira – Do Boom ao Caos Econômico
Vermelho, 09 de agosto de 2019