MP de Bolsonaro fragiliza função do FGTS no momento d

26 de julho de 2019

Dieese e Diap alertam ainda que novas regras sobre saque do Fundo de Garantia e PIS/Pasep colocam em risco programas sociais, como o financiamento da casa própria para o trabalhador de baixa renda.

 

Para órgãos, proposta mostra o interesse de Paulo Guedes em alimentar bancos privados com recursos do FGTS – ARQUIVO EBC

 

Depois de alguns dias de especulação, o governo federal oficializou, nesta quarta-feira (24), o programa Saque Certo, que permitirá a qualquer titular de conta individual no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Fundo de Participação PIS/Pasep saque anual conforme percentual do saldo. A possibilidade de movimentação nas contas está prevista na Medida Provisória (MP) 889/2019, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro. Enviada para análise no Congresso, as novas regras têm já liberação prevista para setembro deste ano, quando todos os trabalhadores poderão sacar de imediato até R$ 500 em suas contas ativas ou inativas do fundo de garantia. A modalidade permanece válida até abril de 2020.

O governo espera que a partir desse prazo se inicie um novo mecanismo, intitulado Saque Aniversário, que disponibilizará retiradas anuais no mês de nascimento do trabalhador. A proposta é que os recursos sejam resgatados dentro de um limite previsto de 50% do saldo disponível limitados a R$ 500. Acima disso, o saque terá percentuais menores.

A nova modalidade será opcional. No caso do trabalhador fazer a escolha pelo Saque Aniversário, ele estará abrindo mão do chamado Saque Rescisão, resgatado quando o trabalhador é demitido sem justa causa.

O governo estima que ao menos R$ 40 bilhões sejam injetados na economia brasileira a partir dos saques do FGTS, além de mais R$ 20 bilhões que espera movimentar disponibilizando a retirada do PIS, em que há ao menos 12 milhões de contas individuais de trabalhadores formais na iniciativa privada ou no serviço público e militar entre 1971 e 1988. O que tem criado uma expectativa de que esse tipo de medida possa favorecer uma dinâmica econômica para o consumo entre as famílias brasileiras até o próximo ano.

A avaliação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) é, no entanto, outra. Para o órgão, diante de uma “economia em frangalhos, com altos índices de desemprego”, os recursos do fundo de garantia deverão ser usados pela população para o pagamento de dívidas. “Terão pouco efeito no reaquecimento da economia”, avalia o Diap, advertindo que o modelo será bem aproveitado apenas  pelos bancos privados, que têm interesse no débito dos trabalhadores.

De acordo com a entidade, não parece à toa que a proposta seja encabeçada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Alinhado ao setor financeiro, Guedes tem ciência do destino final dos valores sacados, embora use o discurso de estímulo à economia. “(Ele) repõe e torna explícito seu interesse original de transferir os recursos do FGTS para o setor financeiro”, afirma em referência a proposta já barrada de capitalização da Previdência.

Para o Diap, o lançamento de todas essas ações significa que o intuito do governo Bolsonaro é favorecer o “desmonte dos serviços públicos” e “mercantilizar os direitos”.

 

Menos verbas para políticas públicas

Em um balanço sobre a medida de Bolsonaro à Rádio Brasil Atual, na manhã desta quinta-feira (25), o diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, ressalta  ainda que as novas regras alteram o funcionamento do fundo de amparo ao trabalho e de repasse ao BNDES. Na prática, a medida permite que o ministro da Economia intervenha sobre as condições de destinação dos recursos para o apoio, garantido pela Constituição, do banco público.

Um dos principais responsável pelo investimento em infraestrutura, o BNDES, para Clemente, terá posto em xeque a funcionalidade dos seus fundos públicos para impulsionar projetos de desenvolvimento nacional.

Mesmo o saque do saldo do FGTS, se de um lado permite que os recursos sejam utilizados para o consumo ou quitação de dívidas, por outro acaba com a regra que destina metade do valor para o trabalhador e outra metade na base do fundo de garantia, recursos que são alocados no financiamento de projetos sociais. “Fragiliza essa capacidade que o fundo tem de financiar especialmente as habitações de interesse social, portanto, de subsidiar o financiamento para os trabalhadores mais pobres no acesso à casa própria”, alerta.

O diretor-técnico do Dieese destaca ainda que mesmo o papel do FGTS, de fazer frente à uma situação de desemprego como é prevista hoje, também é anulado. “Ou seja, o trabalhador poderá usar agora o recurso em um curto prazo mas, lá na frente, diante do desemprego, ele não terá essa poupança que o ajude a enfrentar sua situação. Lembrando que o desemprego no Brasil se torna cada vez mais estrutural, de longa duração, portanto, quem vai para o desemprego fica sem emprego por muito tempo.”

 

RBA, 26 de julho de 2019