A Lei 13.467/2017, sobre a reforma trabalhista, tornou a contribuição sindical prevista em lei opcional, ou seja, facultativa, passando a ser devida apenas pelos empregados, trabalhadores e empregadores que assim autorizarem prévia e expressamente.
Mais recentemente, a Medida Provisória 873, de 1º de março, alterou a Consolidação das Leis do Trabalho, para dispor sobre a contribuição sindical, e revogou dispositivo da Lei 8.112/1990.
Em termos formais, a constitucionalidade da referida MP é passível de questionamento.
Conforme o artigo 62 da Constituição Federal, em caso de relevância e urgência, o presidente da República pode adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
Entretanto, é possível argumentar que a urgência decorreu do que previa o artigo 582 da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017, ao estabelecer que os empregadores seriam obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizassem prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos.
O artigo 545 da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, previa que os empregadores ficavam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados.
As contribuições (receitas) sindicais em sentido amplo abrangem a contribuição sindical prevista em lei (artigos 578 a 610 da CLT), a contribuição confederativa (artigo 8º, inciso IV, da Constituição da República), a contribuição assistencial (artigo 513, e, da CLT) e a mensalidade sindical (artigo 548, b, da CLT).
A contribuição sindical prevista em lei é reconhecida pela Constituição Federal de 1988, como se observa em seu artigo 8º, inciso IV, parte final.
Frise-se que o Supremo Tribunal Federal julgou improcedentes os pedidos formulados nas ações diretas de inconstitucionalidade que questionavam o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical e procedente o pedido formulado na ação declaratória de constitucionalidade (STF, Pleno, ADI 5.794/DF, ADI 5.912, ADI 5.923, ADI 5.859, ADI 5.865, ADI 5.813, ADI 5.885, ADI 5.887, ADI 5.913, ADI 5.810, ADC 55, ADI 5.811, ADI 5.888, ADI 5.892, ADI 5.806, ADI 5.815, ADI 5.850, ADI 5.900, ADI 5.950, ADI 5.945, Red. p/ ac. Luiz Fux, j. 29/6/2018).
Portanto, prevaleceu o entendimento de que a alteração decorrente da reforma trabalhista, ao tornar facultativa a contribuição sindical, é constitucional[1].
O artigo 545 da CLT, com redação dada pela MP 873/2019, dispõe que as contribuições facultativas ou as mensalidades devidas ao sindicato, previstas no estatuto da entidade ou em norma coletiva, independentemente de sua nomenclatura, serão recolhidas, cobradas e pagas na forma do disposto nos artigos 578 e 579.
Além disso, foi revogado o parágrafo único do artigo 545 da CLT (artigo 2º, a, da MP 873/2019). Esse dispositivo previa que o recolhimento à entidade sindical beneficiária do importe descontado deveria ser feito até o décimo dia subsequente ao do desconto, sob pena de juros de mora no valor de 10% sobre o montante retido, sem prejuízo da multa prevista no artigo 553 e das cominações penais relativas à apropriação indébita.
O artigo 578 da CLT, com redação dada pela MP 873/2019, assim dispõe: “As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão recolhidas, pagas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, sob a denominação de contribuição sindical, desde que prévia, voluntária, individual e expressamente autorizado pelo empregado”.
Há manifesto equívoco de redação, pois o empregado apenas tem como autorizar a contribuição devida ao sindicato de sua categoria profissional, mas não das categorias econômicas, as quais são integradas por empregadores.
Entende-se, assim, que as contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades devem ser recolhidas, pagas e aplicadas na forma estabelecida na CLT (Título V, Capítulo I), sob a denominação de contribuição sindical, desde que haja prévia, voluntária, individual e expressa autorização pelo empregador ou pelo empregado, conforme se trate de sindicato de categoria econômica ou de sindicato de categoria profissional (inclusive diferenciada) e de profissões liberais.
O artigo 578 da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, previa que as contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades seriam, sob a denominação de contribuição sindical, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida na CLT (Título V, Capítulo I), desde que prévia e expressamente autorizadas.
Logo, com a MP 873/2019, explicitou-se que a autorização relativa à contribuição sindical (prevista em lei) deve ser prévia, voluntária, individual e expressa.
Na verdade, embora a questão pudesse gerar certa controvérsia, a exigência de a mencionada autorização ser individual (e não coletiva, ou seja, por meio de deliberação em assembleia geral) já era decorrente da previsão dos artigos 579 e 582 da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017.
Em harmonia com o exposto, o artigo 611-B, inciso XXVI, da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, determina que constitui objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho a supressão ou a redução do direito de liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
Nos termos do artigo 579 da CLT, com redação dada pela MP 873/2019: “O requerimento de pagamento da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e voluntária do empregado que participar de determinada categoria econômica ou profissional ou de profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, na inexistência do sindicato, em conformidade o disposto no art. 591”.
O mesmo equívoco de redação se repete nesse dispositivo, pois a autorização do empregado apenas se aplica à contribuição sindical relativa à sua categoria profissional ou de profissão liberal, mas não à categoria econômica, formada por empregadores.
A interpretação, assim, deve ser no sentido de que o requerimento de pagamento da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e voluntária (além de individual e expressa), conforme o caso, do empregador ou do empregado que participar de determinada categoria econômica ou profissional ou de profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, na inexistência do sindicato, em conformidade o disposto no artigo 591 da CLT (que faz referência à federação e à confederação)[2].
A autorização prévia do empregado a que se refere o artigo 579 da CLT deve ser individual, expressa e por escrito, não sendo admitidas a autorização tácita ou a substituição dos mencionados requisitos para a cobrança por requerimento de oposição (artigo 579, parágrafo 1º, incluído pela MP 873/2019).
É nula a regra ou a cláusula normativa que fixar a compulsoriedade ou a obrigatoriedade de recolhimento a empregados ou empregadores, sem observância do disposto no artigo 579 da CLT, ainda que referendada por negociação coletiva, assembleia geral ou outro meio previsto no estatuto da entidade sindical (artigo 579, parágrafo 2º, incluído pela MP 873/2019).
O artigo 579-A da CLT, acrescentado pela MP 873/2019, estabelece que podem ser exigidas somente dos filiados ao sindicato: (i) a contribuição confederativa de que trata o artigo 8º, inciso IV, da Constituição da República; (ii) a mensalidade sindical; e (iii) as demais contribuições sindicais, incluídas aquelas instituídas pelo estatuto do sindicato ou por negociação coletiva.
Confirmou-se o disposto na Súmula Vinculante 40 do Supremo Tribunal Federal, com a seguinte redação: “A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”.
Ainda nesse sentido, segundo o Precedente Normativo 119 do TST:
“Contribuições sindicais. Inobservância de preceitos constitucionais. A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados”.
Na mesma linha, de acordo com a Orientação Jurisprudencial 17 da SDC do TST:
“Contribuições para entidades sindicais. Inconstitucionalidade de sua extensão a não associados. As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados”.
O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que é inconstitucional a instituição por acordo coletivo, convenção coletiva de trabalho ou sentença normativa de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados, como se observa no seguinte julgado:
“Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. 2. Acordos e convenções coletivas de trabalho. Imposição de contribuições assistenciais compulsórias descontadas de empregados não filiados ao sindicato respectivo. Impossibilidade. Natureza não tributária da contribuição. Violação ao princípio da legalidade tributária. Precedentes. 3. Recurso extraordinário não provido. Reafirmação de jurisprudência da Corte” (STF, Pleno, ARE-RG 1.018.459/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 10.03.2017).
O artigo 582 da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, previa que os empregadores eram obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizassem prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos.
Conforme o artigo 582 da CLT, com redação dada pela MP 873/2019: “A contribuição dos empregados que autorizarem, prévia e expressamente, o recolhimento da contribuição sindical será feita exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, que será encaminhado obrigatoriamente à residência do empregado ou, na hipótese de impossibilidade de recebimento, à sede da empresa”.
A redação desse dispositivo parece estar truncada na parte inicial, que repete o termo “contribuição”. Além disso, não se faz menção à forma de recolhimento da contribuição sindical dos empregadores.
A exigência de boleto bancário (ou equivalente eletrônico), como forma exclusiva para pagamento da contribuição sindical pelo empregado, certamente tem como objetivo excluir a possibilidade de desconto do salário, mesmo tendo o trabalhador autorizado a contribuição sindical de forma prévia, voluntária, individual e expressa (por escrito).
O artigo 462 da CLT dispõe que ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de norma coletiva negociada[3].
A inobservância ao disposto no artigo 582 da CLT ensejará a aplicação do disposto no artigo 598 do mesmo diploma legal, que prevê penalidades, ou seja, multas (artigo 582, parágrafo 1º, da CLT, com redação dada pela MP 873/2019).
O artigo 582, parágrafo 2º, da CLT, com redação dada pela MP 873/2019, dispõe que é vedado o envio de boleto ou equivalente à residência do empregado ou à sede da empresa, na hipótese de inexistência de autorização prévia e expressa do empregado.
Entretanto, se o próprio empregado autorizar, de forma válida e com os requisitos legais, a contribuição sindical, a exigência de boleto bancário (ou equivalente eletrônico), como única forma de pagamento, impedindo o desconto no salário, revela-se contrária ao princípio da razoabilidade, impondo aos entes sindicais despesas diversas, decorrentes da emissão e do envio dos referidos boletos, em contrariedade ao princípio da liberdade sindical, notadamente quanto ao livre exercício das funções e de administração, sendo vedada a interferência na organização sindical pelo poder público (artigo 8º, caput e inciso I, da Constituição Federal de 1988).
Embora versando sobre a contribuição confederativa, o artigo 8º, inciso IV, da Constituição da República dispõe que a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.
Para fins do disposto no artigo 580, inciso I, da CLT[4], considera-se um dia de trabalho o equivalente a: (i) uma jornada normal de trabalho, na hipótese de o pagamento ao empregado ser feito por unidade de tempo; ou (ii) 1/30 da quantia percebida no mês anterior, na hipótese de a remuneração ser paga por tarefa, empreitada ou comissão (artigo 582, parágrafo 3º, da CLT, incluído pela MP 873/2019).
Na hipótese de pagamento do salário em utilidades, ou nos casos em que o empregado receba, habitualmente, gorjetas, a contribuição sindical corresponderá a 1/30 da importância que tiver servido de base, no mês de janeiro, para a contribuição do empregado à Previdência Social (artigo 582, parágrafo 4º, da CLT, incluído pela MP 873/2019, embora equivocadamente indicado, de forma repetida, como “§ 3º”).
Foi revogada a alínea c do caput do artigo 240 da Lei 8.112/1990 (artigo 2º, b, da MP 873/2019). Esse dispositivo previa o direito de descontar em folha, sem ônus para a entidade sindical a que for filiado, o valor das mensalidades e contribuições definidas em assembleia geral da categoria.
Logo, também quanto aos servidores públicos federais, deixa de ser admitido o desconto em folha das contribuições sindicais e sua definição em assembleia geral, o que é objeto de questionamento quanto à constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Cabe, assim, acompanhar se as alterações decorrentes da MP 873/2019 serão aprovadas pelo Congresso Nacional (artigo 62 da Constituição da República), bem como se serão consideradas válidas na esfera judicial.
[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma trabalhista. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 243-250.
[2] “Art. 591. Inexistindo sindicato, os percentuais previstos na alínea c do inciso I e na alínea d do inciso II do caput do art. 589 desta Consolidação serão creditados à federação correspondente à mesma categoria econômica ou profissional. Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, os percentuais previstos nas alíneas a e b do inciso I e nas alíneas a e c do inciso II do caput do art. 589 desta Consolidação caberão à confederação.”
[3] Cf. ainda Súmula 342 do TST: “Descontos salariais. Art. 462 da CLT. Descontos salariais efetuados pelo empregador, com a autorização prévia e por escrito do empregado, para ser integrado em planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada, ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativo-associativa de seus trabalhadores, em seu benefício e de seus dependentes, não afrontam o disposto no art. 462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de outro defeito que vicie o ato jurídico”.
[4] “Art. 580. A contribuição sindical será recolhida, de uma só vez, anualmente, e consistirá: I – Na importância correspondente à remuneração de um dia de trabalho, para os empregados, qualquer que seja a forma da referida remuneração.”
Gustavo Filipe Barbosa Garcia é livre-docente e doutor pela Faculdade de Direito da USP, pós-doutor e especialista em Direito pela Universidad de Sevilla, professor, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e membro pesquisador do IBDSCJ. Foi juiz, procurador e auditor fiscal do Trabalho.