Do ponto de vista jurídico, MP da contribuição sindical é uma tragédia

10 de abril de 2019

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A MP 873 classifica como “facultativas” as contribuições sindicais (artigo 545) a cargo do empregado, afirma que o pagamento deverá ser “requerido” (artigo 578), “expressamente e previamente autorizado” pelo empregado (artigo 578), não sendo admitida sequer a “autorização tácita” (artigo 579, parágrafo 1º), e que o pagamento será feito exclusivamente “por boleto bancário ou equivalente eletrônico”, também pelo empregado.

Essas disposições representam o flagrante do irrazoável e documentam a constrangedora edição de uma medida provisória de muitas inconstitucionalidades. As inconstitucionalidades requerem conhecimento jurídico especializado para serem identificadas, mas o bom senso deveria funcionar para desvendar coisas que são óbvias. Por exemplo, a locução “requerimento de pagamento” não funciona nesse caso em relação ao credor (porque esse exerce cobrança, não requerimento) nem em relação ao devedor (que simplesmente paga, sem precisar de vênia para pagar). O sentido jurídico de pagar débito envolve conceito de relação de débito e crédito, que deveria ser mais facilmente notado, mesmo ao leigo.

Sobre as inconstitucionalidades, as decisões judiciais já se pronunciaram abundantemente nas últimas semanas e em vários tribunais, de 1º e de 2º grau, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal (veja aqui uma de nossa lavra). São inconstitucionalidades formais (ausência de necessidade e de urgência) e materiais, interferência estatal na administração dos sindicatos, cassação de liberdades e até atentado à mais fácil de todas as interpretações, que é a literal, quando decreta a extinção do desconto em folha de pagamento, em testilhas com o disposto no artigo 8º, IV, da CF, pela imposição do pagamento por boleto bancário. Isso sem falar na ofensa a convenções internacionais que legitimam a negociação coletiva e na supressão do diálogo tripartite indispensável a esse tipo de regulação normativa. A MP 873 não subsiste ao controle de constitucionalidade, nem ao controle de convencionalidade, nem ao controle de legalidade, nem ao controle do simples bom senso. Do ponto de vista jurídico, a MP 873 é uma tragédia; do ponto de vista do mérito normativo, é uma ingenuidade; do ponto de vista da logicidade, não serve nem como projeto.

O que propõe a MP 873 é que exista “requerimento” (artigo 579) escrito (artigo 578), precedido de autorização, também escrita (artigo 578), para que o direito (artigo 545) de pagar (ou de receber) se efetive, e que esse pagamento se materialize por “boleto bancário” (artigo 582) apresentado ao empregado (artigo 582), e que esse se dirija a uma entidade bancária para efetuar, ele mesmo, o pagamento que ele mesmo quis, deferiu e autorizou. Ou seja, a MP 873 consagra a utilidade de uma autorização “prévia” para que o próprio empregado, portador do boleto, faça o pagamento. Seria dizer que o empregado autoriza ele mesmo a pagar, ou que o boleto para ele pagar não tem validade sem ele o autorizar… Que trapalhada!

Para qualificar a desrazão, a MP 873 se esqueceu da contribuição sindical patronal e vinculou-a, inusitadamente, também à autorização do empregado, como se esse devesse autorizar, previamente, a vontade da empresa sobre contribuir, ou não, para o sindicato da categoria econômica (artigo 579).

Não é a lei que muda a sociedade; a sociedade é que muda a lei.

 

Rafael Edson Pugliese Ribeiro é desembargador e vice-presidente judicial do TRT-2 (SP).

 

Conjur, 10 de abril de 2019