Se fizermos um mínimo esforço intelectual (leia-se “esforço de historicizar os fenômenos”) poderemos chegar nos primórdios do liberalismo com Locke escrevendo em 1690 mais um de seus (falso engano é o segundo) “Tratados sobre o Governo” onde a naturalização da desigualdade, a legitimação da propriedade privada e explicar o surgimento do mercado de trabalho servem de base à despolitização de uma invenção recente à época: o dinheiro.
Por Elias Jabbour*
Daí a noção religiosa da “neutralidade da moeda” e a deturpação a que foi submetida a teoria quantitativa da moeda criada por Willian Petty, que surge como meio auxiliar de mecanismos relacionados ao processo de racionalização das contas nacionais.
O esforço de Locke era o de colocar o Estado em seu devido lugar: separado do mercado e legitimador da propriedade privada e do indivíduo. Isso hoje é escrito sob forma de “reformas microeconômicas”, “criação de ambiente de negócios”, “respeito aos contratos” e amplo acesso à informação a todos “agentes”. Utopias que sobrevivem, apesar do capitalismo ter se tornado monopolista e de Estado em todos os países que alcançaram o topo da escada. Mas, nos ensinou Hirschman, que essas “verdades” que sobrevivem há séculos, apesar de Keynes e Schumpeter, devem ser motivo de completa desconfiança.
Hoje no mundo está se transformando em um entulho. Com algumas exceções: na Argentina está levando o país a um buraco sem fundo. Honduras e Paraguai são territórios de “livre-comércio” para tudo, inclusive drogas. E no Brasil o fanatismo neoliberal do presidente eleito, e sua equipe econômica, chegou ao auge de não somente “despolitizar” as nossas relações exteriores, a taxa de câmbio (vai deixar “flutuar”, como se essa taxa numa economia com contas de capital abertas não fosse determinada pela ação de especuladores como nos ensinou em brilhante livro sobre o tema o querido amigo Pedro Rossi), juros e do mercado de trabalho (via serviço prestado por Temer).
A extinção do Ministério do Trabalho anunciada por esses dias é uma ação em sintonia com o Locke, que queria tratar dos interesses do cidadão contra uma monarquia absoluta. A despolitização da economia e das relações de trabalho não irá transformar o Brasil numa China (conforme um desses malucos que acompanham Guedes e Bolsonaro). Será a porta de entrada à barbárie como política oficial de Estado. Voltemos à Argentina: tudo isso que estão a fazer aqui está destruindo o capitalismo deles, pois o crédito (o núcleo de uma economia capitalista moderna) está minguando.
Aqui está a se construir não uma China do século XXI. Acho mais fácil replicar aqui a China pós Guerras do Ópio (1839-1842). Um país dominado por narcotraficantes de todo tipo e sob a coleira de uma potência estrangeira. Triste Brasil…
*Elias Jabbour é professor adjunto da FCE/UERJ e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas (PPGCE) da UERJ. Autor do livro “China Hoje: Projeto Nacional, Desenvolvimento e Socialismo de Mercado”.
Vermelho, 13 de novembro de 2018.