A possibilidade de diminuta redução do intervalo intrajornada à luz da tese jurídica firmada pelo TST: aplicação do art. 71, § 4º da CLT com arrimo no princípio da razoabilidade

18 de outubro de 2019

O acórdão prolatado pela máxima Corte Trabalhista sedimentou entendimento de que, nas hipóteses consubstanciadas até 10/11/17 e cujos horários de intervalo intrajornada não são pré-assinalados, a redução eventual e ínfima de até 5 minutos na totalidade da pausa para refeição e descanso não atrairão a penalidade prevista na CLT.

 

O presente artigo tem como objetivo a análise da decisão do Pleno do TST que, em sede de julgamento de incidente de recurso, a fim de pacificar e unificar o entendimento, julgou o tema firmando tese jurídica prevalecente acerca da (im)possibilidade de redução do intervalo previsto no art. 71, § 4º do texto celetista.

Prima facie, importa aclarar que, nos termos do art. 896-C, § 16, da CLT, a tese em análise não se aplicará aos casos em que for demonstrado que a situação de fato ou de direito é diversa daquelas que foram julgadas no rito dos recursos repetitivos.

Significa dizer, a contrario sensu, que a decisão firmada no julgamento do incidente terá efeito vinculante nos casos em que a situação de fato ou de direito forem idênticas ou semelhantes às que já foram decididas. Desse modo, imperioso concluir que, in casu, o acórdão em testilha possui efeito vinculante, observadas as diretrizes do art. 896-C, § 16 da CLT.

O debate se deu em torno da supressão parcial e mínima do intervalo intrajornada, onde o entendimento da Corte Superior, até então, seguia no sentido de que, caso a pausa para refeição e descanso prevista no art. 71 da CLT fosse inferior a 01 hora, o empregador seria condenado ao pagamento integral como se hora extra fosse (com adicional de 50% no mínimo e com reflexos em verbas salariais e rescisórias). É a dicção da Súmula 437, I, do TST, verbis:

Súmula 437 do TST
INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT
I – Após a edição da lei 8.923/94, a não-concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração. […] – destacamos.

É mister sobrelevar que o julgamento em análise diz respeito apenas às situações fático-jurídicas consolidadas antes da vigência da lei 13.467/17 (reforma trabalhista), norma essa que alterou substancialmente a dogmática em torno da jornada de trabalho. Assim, a aplicação da tese firmada tem eficácia tão somente nos casos e períodos anteriores à alteração legislativa, isto é, apenas para supressão intervalar ocorrida antes de 11/11/17 (data da entrada em vigor da lei 13.467/17).

A rigor, por maioria, o Pleno do TST, julgando o tema levado a baila, firmou a tese jurídica nos seguintes termos:

A redução eventual e ínfima do intervalo intrajornada, assim considerada aquela de até 5 (cinco) minutos no total, somados os do início e término do intervalo, decorrentes de pequenas variações de sua marcação nos controles de ponto, não atrai a incidência do artigo 71, § 4º, da CLT. A extrapolação desse limite acarreta as consequências jurídicas previstas na lei e na jurisprudência.

Noutros dizeres, a redução ou supressão do intervalo intrajornada de até 5 minutos, corolária das variações no preenchimento do cartão de ponto, não atrairá a penalidade prevista no art. 71, § 4º, da CLT1 e súmula 437 do TST. Entretanto, caso a extrapolação seja superior a 5 minutos, incidirá a aplicação daquele dispositivo legal e do suprareferido verbete sumular.

Noutro giro, o art. 74, § 2º da CLT2 prevê que, nos estabelecimentos com mais de dez empregados, deverá haver pré-assinalação do período de repouso, bem como o registro dos horários de entrada e saída, por meios eletrônicos ou manuais.

Entretanto, o acórdão esquadrinhado abrange casos em que o registro do intervalo intrajornada não é pré-assinalado, mas sim preenchido no momento do início e término da pausa no trabalho.

Assim, forçoso inferir que, sendo o intervalo intrajornada pré-assinalado nos moldes do art. 74, § 2º da CLT, não incide a tese oriunda do incidente de recurso repetitivo em debate.

Na seara processual trabalhista, temos que o ônus da prova da ausência de veracidade dos horários de intervalo intrajornada quando esses são pré-assinalados é do Reclamante. Nessa linha intelectiva, cabe trazer os seguintes arestos:

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI N.º13.015/2014. ENQUADRAMENTO SINDICAL. DIFERENÇAS DE HORAS EXTRAS E ADICIONAL DE RISCO. DESFUNDAMENTADO NOS TERMOS DO ART. 896 DA CLT. O recurso, no tópico, encontra-se desfundamentado, nos termos do art. 896 da CLT, uma vez que a parte não indica violação de dispositivo legal ou constitucional, contrariedade à Súmula Vinculante do STF, Súmula ou Orientação Jurisprudencial do TST, tampouco divergência jurisprudencial. Agravo de instrumento a que se nega provimento. II – AGRAVO DE INSTRUMENTO DA 1ª RECLAMADA (BLUE ANGELS SEGURANÇA PRIVADA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA.). RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI N.º13.015/2014. HORAS EXTRAS E REFLEXOS. INTERVALO INTRAJORNADA. PRÉ-ASSINALAÇÃO NOS CARTÕES DE PONTO. ÔNUS DA PROVA. Ante a possível violação do artigo 74, § 2º, da CLT deve ser provido o agravo de instrumento. III – RECURSO DE REVISTA DA 1ª RECLAMADA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO JULGADO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Caracteriza-se a negativa de prestação jurisdicional quando o órgão julgador deixa de enfrentar o questionamento feito pela parte agravante com objetivo de viabilizar os contornos fático-jurídicos dos fundamentos da decisão. Na hipótese, não há nulidade a ser declarada, pois a v. decisão regional expressamente consignou que o enquadramento sindical levou em conta a atividade preponderante da 1ª reclamada-recorrente que transportava valores. Incólumes os artigos 93, IX, da CF e 832 da CLT. Recurso de revista não conhecido. NULIDADE DO JULGADO REGIONAL POR CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO. Não caracterizado o cerceio de defesa uma vez comprovada a preclusão acerca do indeferimento de perguntas em audiência, ante a falta de protesto em razões finais. Incidência do artigo 765 da CLT. Incólume o art. 5º, LV, da Constituição Federal. Recurso de revista não conhecido . HORAS EXTRAS E REFLEXOS. INTERVALO INTRAJORNADA. PRÉ-ASSINALAÇÃO NOS CARTÕES DE PONTO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHADOR. O Regional assentou que o ônus da prova da fruição do intervalo intrajornada é do empregador quando a empresa opta pela modalidade de pré-assinalação dos cartões de ponto, o que não se desincumbiu. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que em havendo a pré-assinalação do intervalo intrajornada nos termos do art. 74, §2.º, da CLT, é ônus do trabalhador comprovar que o referido período de descanso não era usufruído em sua totalidade. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – ARR: 3743020135020050, Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 08/05/2019, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/05/19) – destacamos.

[…] 3. INTERVALO INTRAJORNADA. PRÉ-ASSINALAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. O art. 74, § 2º, da CLT prevê a obrigatoriedade de o empregador pré-assinalar o período referente ao intervalo intrajornada. Por sua vez, a disposição contida no item III da súmula 338 do TST não se aplica ao intervalo intrajornada pré-assinalado, sendo ônus do empregado a demonstração do descumprimento do período do intervalo, ônus do qual não se desincumbiu, na hipótese. Recurso de revista adesivo não conhecido, no aspecto. […] (TST – RR: 2039220201450402323, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 27/02/2019, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/3/19) – grifamos.

Desse modo, a tese firmada pelo TST afetará somente os casos em que as relações fático-jurídicas foram consolidadas antes da vigência da lei 13.467/17 e cujos horários de intervalos para refeição e descanso não sejam pré-assinalados, nos moldes do art. 74, § 2º do Texto Consolidado.

Necessário inferir, portanto, que o acórdão prolatado pela máxima Corte Trabalhista sedimentou entendimento de que, nas hipóteses consubstanciadas até 10/11/17 e cujos horários de intervalo intrajornada não são pré-assinalados, a redução eventual e ínfima de até 5 minutos na totalidade da pausa para refeição e descanso – corolários de variações em sua marcação nos controles de jornada – não atrairão a penalidade prevista no art. 71, § 4º da CLT. Por outro lado, ultrapassado esse limite, aplicar-se-ão as disposições previstas na lei e jurisprudência.

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1 – “Art. 71 – Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.

§ 4º – Quando o intervalo para repouso e alimentação, previsto neste artigo, não for concedido pelo empregador, este ficará obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo 50% (cinqüenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho. – vigente até 10/11/2017.”

2 – “Art. 74 – O horário do trabalho constará de quadro, organizado conforme modelo expedido pelo ministro do Trabalho, Industria e Comercio, e afixado em lugar bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único para todos os empregados de uma mesma seção ou turma.

§ 2º – Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso.”.

3 – Inteiro teor disponível

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*Afonso Almeida é advogado da banca MoselloLima Advocacia.

 

Migalhas, 18 de outubro de 2019