O mais recente entrevero no interior do governo de Jair Bolsonaro revela bem a essência dos grupos que assumiram o poder. A junção que se formou, reunindo peças mal encaixadas que perfilaram na campanha e na pré-campanha eleitoral, tem se mostrado frágil. A base política de Bolsonaro e seus filhos, as ideias de extrema direita de Olavo de Carvalho, tem se chocado com a ala militar. Esse pensamento medíocre do presidente e sua prole é uma verdadeira ameaça ao avanço civilizacional no país.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por longo tempo, sua base ideológica e política foi somente essa. Em determinado momento, no leito do resultado da ação da Operação Lava Jato, que satanizou a política e atacou a esquerda, a candidatura de Bolsonaro adquiriu viabilidade eleitoral e ganhou o apoio de grandes empresários e banqueiros, representados por Paulo Guedes, o atual todo poderoso ministro da Economia, com sua agenda ultraliberal e neocolonial.
Nesse processo, a cúpula das Forças Armadas enxergou no ex-capitão — que elas mesmas haviam enxotado –, a porta para um retorno à atividade política e ao governo. Esse arranjo, no entanto, tem se revelado prenhe de contradições, gerando crises, incertezas e instabilidade no âmbito do governo. Instaurou-se uma luta por espaços de poder entre essas duas alas que compõem o governo.
Os olavistas emplacaram três ministros — o da Educação, primeiro Ricardo Vélez e agora Abraham Weintraub; o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo; e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves —, mas, diante dos seus desatinos, os militares tentaram ocupar espaços sobretudo nos ministérios da Relações Exteriores e da Educação. Estabeleceu-se a guerra permanente, que já resultou na queda de um ministro da Educação e alguns dos seus auxiliares. Hoje, há mais de uma centena de altos oficias, da ativa e da reserva, no governo.
Olavo de Carvalho e seu grupo desencadearam os ataques aos militares. O primeiro alvejado foi o vice-presidente, general Hamilton Mourão. O mais recente bombardeio foi direcionado ao general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo.
Bolsonaro tenta se passar por espertalhão. Pratica uma postura de equilibrista entre as duas correntes, mas a extrema direita balançou por demais a corda. Intensificou sua ação nas redes sociais e no submundo da internet. A conduta oportunista do presidente, contudo, chegou, ao que parece, ao limite. O tuíte de Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e atual assessor do general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, pode ser visto como o limite de Bolsonaro. Foi um verdadeiro tiro de bazuca no guru do bolsonarismo.
O episódio diminui consideravelmente a margem de manobra para a postura oportunista do presidente. Mas, ele, perigosamente, tenciona mantê-la. Mesmo depois do petardo do general Villas Bôas, ele desconversou. Disse que o governo é um time só, não haveria diferenças entre os seguidores de Olavo e os militares.
E mais, Olavo de Carvalho respondeu Villas Bôas com linguajar de latrina. Mesmo assim, o porta-voz do Palácio do Planalto transmitiu mensagem do presidente clamando por união de todos. Quer dizer: manteve-se em cima do muro. Não defendeu os militares.
Se Bolsonaro não optar pelos militares, demarcando com os olavistas, vai fragilizar o governo, perdendo espaço entre empresários e banqueiros. Ao mesmo tempo, se abrir mão do olavismo ele trai seus princípios, renega o berço, atrita -se com as hordas da extrema-direita. Nessa sinuca, pode-se prever o agravamento da crise e da instabilidade.
Para quem o ex-capitão enxotado baterá continência ainda é um ponto de interrogação.
É importante destacar que essa instabilidade vem da luta intestina no governo, mas ela tem também o componente econômico. Passados quatro meses de governo, a economia segue estagnada e o desemprego não para de crescer. Com isso, vai se instaurando o clima de pessimismo e de falta de perspectiva no país. Nesse cenário turbulento, Bolsonaro tem se revelado cada vez mais incapaz para a função de presidente da República. Sua agenda e de Paulo Guedes tem se limitado a promover cortes orçamentários para sustentar a ciranda financeira, como se vê atualmente na Educação.