A “república de Curitiba” ruiu como um castelo de cartas (marcadas)

11 de junho de 2019

Sobre vazamentos ilegais de processos que deveriam correr em segredo de justiça, inclusive de áudios de conversas privadas de ex-presidentes, muitas das quais sobre suas vidas privadas, os telespectadores e leitores mais atentos da grande mídia dos últimos anos devem lembrar das declarações prestadas à sociedade por integrantes do força-tarefa “Lava Jato”.

*Por Dalton Melo Macambira

 

 

 

Procuradores da Lava Jato Procuradores da Lava Jato 

 

 

Vinculados ao Ministério Público Federal do Paraná, sob a coordenação do promotor Deltan Dallagnol, e do ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça do governo Bolsonaro: “No conflito entre direito à informação sobre crime grave e direito à privacidade, ganha o interesse público”, disse certa vez o representante do MPF.

Pois bem, após a divulgação de conversas nada republicanas entre os membros do MPF e o ex-juiz Moro pelo site The Intercept, particularmente no caso que levou à prisão e barrou a candidatura do ex-presidente Lula, líder de todas as pesquisas eleitorais, os procuradores da força tarefa publicam uma nota com essa pérola:

“A violação criminosa das comunicações de autoridades constituídas é uma grave e ilícita afronta ao Estado”.

O ex-juiz Moro, premiado com um cargo de ministro do atual governo e possível indicação ao STF, que de forma criminosa e numa atitude de chefe de partido político, divulgou uma conversa de uma presidente da República e uma “delação premiada” na véspera da eleição de 2018, para prejudicar o candidato do PT, também não gostou das divulgações das conversas, afirmando em uma rede social:

“Muito barulho por conta de publicação por site de supostas mensagens obtidas por meios criminosos de celulares de procuradores da Lava Jato”.

Percebe-se que, em momento algum, nem o ex-juiz e muito menos os representantes do MPF negam a veracidade das informações divulgadas, mas apenas afirmam como supostamente ilegal a forma de obtenção das mesmas. O senhor Dallagnol, em um dos diálogos, revela, inclusive, que não haviam provas suficientes para condenar Lula, no caso do “tríplex”. A denúncia da defesa do ex-presidente de que os procuradores MPF tinham convicção, mas não tinham provas era verdadeira. Como o mundo dar voltas, não é? Que me perdoem os terraplanistas.

Não negam a veracidade do conteúdo das conversas, mas afirmam que não incorreram em nenhuma ilegalidade. Vejamos: se um juiz aconselha a acusação, inclusive da necessidade de antecipar fases da operação policial e chega ao absurdo de sugerir a troca ou um melhor treinamento de uma procuradora da força tarefa para a abordagem de uma determinada testemunha como poderemos entender tal comportamento? O que diz o nosso Código de Processo Penal brasileiro:

“Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; […]
IV – se tiver aconselhado qualquer das partes; […]”.

Claro como o sol. Qualquer estudante de direito sabe que os processos judiciais conduzidos em clara afronta as leis são plenamente passíveis de nulidade. Alguns irão perguntar: mas as provas não foram obtidas de forma ilícita? Respondo: provas ilícitas não podem ser usadas pela acusação, embora no caso da “Lava Jato” a Constituição tenha sido rasgada algumas vezes, mas para inocentar um réu condenado de forma injusta é plenamente possível e existem exemplos em nossa jurisprudência.

Apesar da grande mídia, integrante do consórcio golpista que derrubou Dilma e prendeu Lula, tenha se negado, até o momento, a dar ampla publicidade das gravíssimas denúncias do The Intercept, ministros do Supremo têm revelado espanto com o teor das conversas divulgadas, alguns resgataram, em conversas com jornalistas, o livro “Direito Constitucional”, do ministro Alexandre de Morais, onde afirma que:

“As condutas dos agentes públicos devem pautar-se pela transparência e publicidade, não podendo a invocação de inviolabilidade constitucional constituir instrumento de salvaguardas de práticas ilícitas, que permitam a utilização de seus cargos e funções ou empregos públicos como verdadeira cláusula de irresponsabilidade por seus atos ilícitos […]”.

Ao que parece, o ministro Sérgio Moro, citado nas denúncias, sabia que a matéria de teor bombástico seria divulgada e se antecipou ao correr para alardear que um suposto hacker havia invadido o seu celular, e que tal fato seria um problema de “segurança nacional”. Mas os membros do MPF somente relataram tal fato na nota publicada após a divulgação dos diálogos entre o ex-juiz e os integrantes da “Lava Jato”.

No entanto, The Intercept afirma que a sua fonte não foi um hacker e rebate tais afirmações dos envolvidos no escândalo, provavelmente o maior da história do Brasil envolvendo autoridades do Poder Judiciário e do Ministério Público:

“Ironicamente, as mesmas pessoas que divulgaram conversas privadas de Lula – incluído muitas que não tinham nada a ver com assuntos de interesse público – agora estão tentando se colocar como vítimas de uma terrível invasão de privacidade […]. Ao contrário da horrível invasão de privacidade que perpetraram, já dissemos que somos jornalistas e, portanto, só publicaremos material relacionado a assuntos públicos, não informações pessoais. Os promotores da LJ não são vítimas […]”.

The Intercept já informou que o material divulgado é somente a ponta do ice berg. Portanto, o desfecho desse processo é de difícil previsão. Também não é fácil compreender as motivações da fonte das denúncias que abalaram a República, sim, pois além da possível anulação do julgamento que levou a condenação do ex-presidente Lula, poderá ensejar movimentos para uma CPI no Congresso Nacional e até a anulação das eleições de 2018, claramente maculada pela indevida e criminosa intromissão de um poder sobre o outro, do judiciário sobre o executivo.

Somente nos resta aguardar os próximos capítulos dessa “novela”, cuja desfecho, de mais essa crise, deverá ser longo e a única certeza que temos no horizonte é da mais absoluta imprevisibilidade!

*É professor do Departamento de História da Universidade Federal do Piauí (UFPI)

 

Vermelho, 11 de junho de 2019