Ação da CNI contra demissão discriminatória segue ‘absoluto retrocesso’

12 de fevereiro de 2020

“Quantos trabalhadores com doenças graves conseguem continuar trabalhando, não sendo aposentados por invalidez? Destes, quantos são demitidos?”

 

– Ação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) contra súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que protege contra demissão discriminatória se explica pelo “momento de absoluto retrocesso social e político” do país, avalia a advogada Lúcia Noronha. “Muito antes da edição desta súmula, em 2012, o tema era debatido nos tribunais trabalhistas, tendo sido firmado o entendimento consolidado na norma em vista dos princípios constitucionais que vedam a discriminação e asseguram dignidade a todas as pessoas”, lembra. “Em vista disto, qual a intenção da CNI de apresentar o pedido ao STF, neste momento em que os direitos sociais – inclusive e especialmente os trabalhistas – estão sendo tão duramente atacados?”

Segundo a Súmula 443 do TST, “presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito”. E acrescenta que, nesse caso o trabalhador tem direito à reintegração no emprego. “A Súmula prevê uma presunção, que pode ser revertida pelo empregador, de que a dispensa de trabalhador com doença grave foi discriminatória”, observa a advogada.

Ela identifica na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 648 uma tentativa de “de utilizar este cenário favorável à derrubada de direitos para mais um enfrentamento com  os trabalhadores”. A advogada destaca que o empregador pode provar, nas três instâncias da Justiça do Trabalho, que a dispensa não foi discriminatória. Em casos específicas, tem ainda a alternativa de recorrer ao próprio STF.

Lúcia não considera “aceitável” a alegação da entidade empresarial, sobre inversão da prova – a empresa é que teria de provar que a dispensa não teve caráter discriminatória. E enumera algumas situações: “Quantos trabalhadores com doenças graves conseguem continuar trabalhando, não sendo aposentados por invalidez? Destes, quantos são demitidos? Dos demitidos, quantos ajuízam reclamações postulando a reintegração? Nestas reclamações, quantas decisões foram favoráveis aos trabalhadores? O número de decisões justificaria o acionamento do STF para requerer o cancelamento da Súmula?”. E conclui que a CNI segue razões mais políticas do que efetivamente jurídicas.

A advogada refuta ainda a queixa de suposta “estabilidade eterna” feita pela CNI. “Os empregadores atuais esqueceram que até a introdução do FGTS, esta era a regra: os trabalhadores adquiriam estabilidade depois de 10 anos de vínculo de emprego. Portanto, não configuraria nenhuma aberração jurídica a concessão de estabilidade com termo final na data da concessão da aposentadoria. No entanto, não se trata disto, e sim de impedir uma dispensa arbitrária”, argumenta.

Em sua análise, também não se caracteriza uma “limitação da gestão empresarial”, outra alegação da confederação patronal, já que se trata de evitar a discriminação a um grupo de trabalhadores. “Seria desnecessário lembrar, não fosse a ação da CNI, que os direitos à vida, à saúde e à dignidade são previstos constitucionalmente”, emenda.

“A rescisão do contrato de um trabalhador com doença grave – HIV, esclerose múltipla, câncer, por exemplo – pode corresponder à efetiva sentença de antecipação da morte, quer pela falta de renda para sobrevivência, quer pelos efeitos psicológicos, quer especialmente pela falta de convênio médico”, diz Lúcia, esperando que o STF, “aplicando as normas constitucionais vigentes”, não reconheça a ação. A relatora da ADPF 648 é a ministra Cármen Lúcia, ex-presidenta da Corte.

 

RBA, 12 de fevereiro de 2020