Aluguel infla déficit habitacional

3 de junho de 2013

Estudo mostra que 2,1 milhões de famílias com renda de até três salários mínimos gastam 30% ou mais do orçamento só com aluguel

Problema histórico brasileiro, o déficit habitacional não engloba somente a falta de moradias adequadas e a convivência forçada de diferentes famílias no mesmo espaço domiciliar. Estudo divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que, em um período de cinco anos, o comprometimento excessivo da renda familiar com o aluguel tornou-se o principal componente da conta do déficit – em 2011, 2,1 milhões de famílias com renda total de até três salários mínimos separavam 30% ou mais do orçamento somente para pagar a locação do imóvel em que viviam.

Nesse grupo estão 3,4% do total de domicílios existentes no país (veja infográfico). O ônus excessivo com aluguel está à frente das outras necessidades verificadas em 5,4 milhões de moradias, como a coabitação – casas que abrigam mais de uma família –, o adensamento excessivo – mais de três habitantes por cômodo – e as habitações precárias. Embora o número de casas em situação de precariedade e de coabitação tenha diminuído entre 2007 e 2011, o número de domicílios onde há o chamado excedente de aluguel aumentou no mesmo ritmo.

Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o cenário se torna mais preocupante ao se levar em conta a situação das famílias desse grupo que vivem em centros urbanos. Como a renda total não passa dos R$ 1,6 mil, gastar pelo menos R$ 480 por mês com o aluguel acaba comprometendo o acesso a outras necessidades básicas, como transporte e alimentação – dificultando, assim, que a família saia da situação de risco a que está submetida.

Mesmo com os dados levantados pelo estudo, não se sabe até que ponto essas famílias são atendidas por programas habitacionais consolidados, como o Minha Casa, Minha Vida e outras iniciativas em âmbito estadual e municipal. Isso porque não há uma obrigatoriedade das prefeituras usarem o Cadastro Único para Programas So­ciais (CadÚnico) para selecionar os beneficiários que participarão de financiamentos da Caixa Econômica. Além disso, o Censo anterior, de 2000, sequer levava em conta o recorte do excedente de aluguel para aferir o déficit habitacional.

“Ainda não temos como afirmar até que ponto as políticas habitacionais estão surtindo efeito. Até porque déficit não significa dizer que a família não tem casa própria. Tem mais a ver com a falta de uma moradia digna. Não é digno morar de um jeito apertado com mais de três pessoas no mesmo quarto, assim como não é digno gastar mais de 30% da renda só com aluguel”, afirma o pesquisador do Ipea Cleandro Krause, que participou do estudo.

Estudo vai analisar famílias atendidas

A falta de ferramentas mais eficazes para aferir a eficácia dos programas habitacionais deve ser sanada em breve com a elaboração de um novo estudo do Ipea, encomendado pelo Ministério das Cidades. O estudo levantará a origem e as circunstâncias anteriores das famílias que participaram de programas habitacionais de financiamento.

A pesquisa vai lançar luz em um cenário que, em uma análise mais geral, pode ser considerado positivo. Embora tenha sido observado entre 2007 e 2011 o aumento de quase 10% no número de domicílios no Brasil, houve queda de 1,2% no déficit no mesmo período.

Conforme dados do último Censo, o Paraná tem um dos menores déficits do país, ficando à frente apenas de Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O estado contabiliza uma necessidade de 279,5 mil moradias, correspondente a 8,4% do total – o Maranhão tem um déficit proporcional quase quatro vezes maior.

Para o diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, Valter Caldana, a pouca oferta de crédito nas últimas décadas fez com que o déficit de moradias atingisse tanto a classe baixa quanto a média. A diferença é que, para as famílias com renda até três salários mínimos, não há como se pensar hoje em fornecer o acesso à casa própria sem subsídios. “Essa faixa será sempre fortemente subsidiada. Mas é preciso outros instrumentos auxiliares, principalmente no que se refere à integração destas moradias à cidade e a melhoria dos espaços públicos nestas regiões”, reforça.

Sorteio

Famílias contam com a sorte para ter acesso a financiamento

A Companhia de Habitação Popular (Cohab) de Curitiba possui em seu cadastro 75,9 mil famílias inscritas para participar de financiamentos habitacionais. A maior parte – 47,3 mil – faz parte da chamada faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida, com renda de até R$ 1,6 mil. E, do total de inscritos, 53% moram em imóveis alugados.

O cadastro não necessariamente engloba as famílias que constam do cálculo do déficit habitacional feito pelo IBGE e detalhado pelo Ipea. A Cohab destaca que os critérios para a participação em sorteios de apartamentos do Minha Casa, Minha Vida incluem as famílias que comprometem parte do orçamento com o pagamento do aluguel, entre outras condições. Os esforços da companhia, porém, têm sido direcionados para o reassentamento de famílias que moram em áreas irregulares ou de risco – das 4,9 mil famílias reassentadas nos últimos quatro anos, 90% viviam nas margens de rios na capital.

No fim deste ano, dois residenciais no bairro Santa Cândida liberarão 108 apartamentos para famílias da faixa 1 cadastradas pela Cohab. Para ter acesso aos imóveis, será preciso, além de atender aos critérios da Cohab, contar com a sorte: a escolha será feita por meio de sorteio, entre as 40,4 mil famílias aptas a participar. Os contemplados poderão financiar os imóveis por 10 anos, com prestações entre R$ 25 e R$ 80.

Fonte: Gazeta do Povo