Além da função de regular o mercado, o Estado deve assumir um projeto solidário de sociedade, previsto no artigo 3º da Constituição e ancorado na busca pelo bem-estar geral”.
Por Juliana Diniz*
Uma das notícias mais impactantes da semana foi o anúncio do fim da participação cubana no programa Mais Médicos, implantado no Brasil desde 2013. De acordo com informações apuradas pela Agência Lupa junto ao Sistema Integrado de Informação Mais Médicos, o SIMM, médicos cubanos atendem 2.849 municípios brasileiros e representam 87% do total de profissionais que atendem aldeias indígenas em território nacional. O cenário que se desenha para saúde pública é alarmante: muitas localidades estarão inteiramente desassistidas de atendimento no próximo ano.
O possível colapso do sistema de saúde revela a complexidade de conceber e executar políticas públicas num País de magnitude continental como o Brasil, marcado por profundas desigualdades sociais. Uma ideia arraigada no senso comum (e chancelada pelo discurso do novo governo) defende o enxugamento do Estado como condição para a retomada do crescimento econômico, o que aconteceria por meio de medidas como a privatização de empresas estatais e redução do gasto em serviços básicos, como o da saúde. Um Estado menor necessita de menos receitas: a redução de tributos permitiria, em tese, níveis maiores de investimento privado na economia e um desenvolvimento “espontâneo”.
A retórica de um Estado mínimo é falsa não só por condenar ao desespero toda uma população vulnerável. Economistas premiados como o indiano Amartya Sen já demonstraram na teoria e na prática uma correlação entre o fortalecimento da liberdade, melhoria das condições gerais de vida graças à ação estatal e recuperação da economia. Políticas de saúde e educação elevam o índice de desenvolvimento humano e são um pressuposto da sustentabilidade do crescimento econômico. Do contrário, tem-se um país rico habitado por miseráveis, incapaz de fortalecer seu potencial produtivo e sua independência. Austeridade e desenvolvimento não costumam andar juntos.
Por isso, além da função de regular o mercado, o Estado deve assumir um projeto solidário de sociedade, previsto no artigo 3º da Constituição e ancorado na busca pelo bem-estar geral. Iniciativas para enxugá-lo têm um custo alto, que ninguém parece disposto a pagar: aumento da pobreza, atraso científico, desequilíbrio econômico, elevação dos níveis de violência e redução da liberdade de todos – privilegiados ou não.
*Juliana Diniz é doutora em Direito e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Vermelho, 20 de novembro de 2018