Auxílio-doença administrado pela empresa

4 de novembro de 2019

Essa é uma ótima ideia que reclama adequada disciplina administrativa, cuidados especiais dos operadores das partes envolvidas, treinamento, transparência e publicidade.

 

O deputado federal Fernando Rodolfo, do PL de Pernambuco, apresentou um relatório a tramitação da MP 691/19, com o qual, uma vez aprovado, pretende inovar em matéria de previdência social, transferindo a responsabilidade do INSS, de instruir um pedido de benefício por incapacidade solicitado por empregado, deferi-lo e mantê-lo — ao empregador, durante a vigência do contrato de trabalho.

 

Conceito de auxílio-doença

Recorda-se que o auxílio-doença é uma prestação em dinheiro de pagamento continuado, comum ou acidentário, devido ao segurado a partir do 16º dia de afastamento do trabalho, no valor de 91% da média dos seus salários de contribuição. E que, hoje em dia,  substancialmente depende de perícia médica, quando apurada ou não a incapacidade laboral por mais de 15 dias.

 

Vigência da medida

A solução agora alvitrada valeria desde esse 16º dia até o 120º dia, contado da Data do Afastamento do Trabalho (DAT), assentado que os primeiros 15 dias continuarão sendo de responsabilidade própria e direta do empregador (art. 60, § 3º, da lei 8.213/91).

Depois desses 4 meses, que se tem como duração média do benefício, a responsabilidade voltaria a ser do INSS.

Note-se um fato auspicioso: o obreiro receberia as mensalidades do benefício no próprio caixa da empresa, como se estivesse trabalhando.

 

Procedimento empresarial

A empresa se incumbiria de todo o expediente material da instrução e concessão da prestação previdenciária, sua manutenção, incluindo a onerosa tarefa técnica de constatação da inaptidão ou não por parte da perícia médica.

Depois, os autos do processo decorrente seriam encaminhados à APS da autarquia federal para análise burocrática dos requisitos legais e verificação médica, sobrevindo confirmação ou não das decisões então tomadas em relação ao segurado.

Durante essa fase da proteção previdenciária laboral o vínculo jurídico laboral se manterá na condição de contrato de trabalho suspenso, como é atualmente.

A quintessência da sugestão é a delegação preambular da perícia médica ao médico do trabalho empresarial e sua posterior submissão pela Previdência Social, no ensejo, consabido que a relação laboral sempre foi sede de conflitos entre empregado e empregador (daí vetusta criação da Justiça do Trabalho).

Responsável pela manutenção do trabalhador nesse interregno a empresa deverá conscientizar-se que o seu poder de deferir o benefício, determinado pela perícia operada do seu médico do trabalho, deflagrará responsabilidades perante o INSS quando, a exemplo do que sucede com o salário-maternidade, deduzir os seus gastos junto da GFIP.

Fiscalização da Receita Federal do Brasil

Acionada por informações abastecidas pelo INSS, quando da auditoria usual, a RFB verificará o procedimento fiscal adotado, se foi cumprida a legislação pertinente.

 

Alta médica

Não há informação sobre a alta médica decidida pelo médico do trabalho e o que o trabalhador poderá fazer caso não se sinta apto a voltar ao trabalho.

De todo modo, como direito subjetivo o INSS terá de estar sempre a sua disposição. Bem como os procedimentos recursais do CRPS e da Justiça Federal.

Silenciou-se sobre a indigitada alta programada.

Finda a manutenção do auxílio-doença, quando presente sequela não totalmente incapacitante, segue-se o auxílio-acidente por conta do INSS (art. 81 da lei 8.213/91).

 

Análise biopsicossocial

Nesse cenário, releva saber, como funcionaria a análise biopsicossocial, quando segurado física e e psicologicamente capaz para o trabalho alegar que está socialmente impossibilitado de exercer a sua atividade (o que implica em visita de assistente social à residência do interessado.

Mais complexa ainda se apresenta a situação de um possível auxílio-doença parental.

 

Fim da demora da perícia

Julga-se que com essa solução acabará com a demora do exame pessoal do segurado e acabará um dos maiores entraves no deferimento da pretensão dos trabalhadores em relação ao auxílio-doença.

 

Limbo administrativo

Possivelmente porá fim ao indigitado limbo administrativo previdenciário.

Esse fenômeno atual (a ser extirpado da realidade) ocorre quando o trabalhador não tem deferido o auxílio-doença do INSS nem o empregador o aceita de volta ao trabalho. Ele fica sem receber nada das duas partes envolvidas na relação.

Resolverá, também, outro problema, aquele que se refere ao início da incapacidade e a demora para agendar a perícia médica. Por vezes, finalmente quando se realiza o exame do segurado ele já se recuperou e a prova da incapacidade laboral pretérita é enormemente dificultosa.

 

Participação do INSS

Examinando o laudo pericial emitido pelo médico do trabalho da empresa, caso a perícia médica do INSS não homologue a inaptidão, o empregador terá de ressarcir o INSS, sujeito a infindáveis procedimentos administrativos e processos judiciais que podem sobrevir.

 

Papel do médico do trabalho

No mercado de trabalho é consabido que o médico do trabalho (empregado ou terceirizado), desde a elaboração do Atestado de Saúde Ocupacional – ASO tem pleno conhecimento da higidez ou não dos empregados e pode acompanhá-la nos sucessivos exames admissionais, periódicos e demissionais.

Melhor que o perito do INSS, pois vive contíguo ao local e a função exercida pelo requerente.

Diferentemente da providência atual do titular do direito de requerer o benefício, as empresas seriam obrigadas a encaminhar o empregado ao INSS.

As empresas com menos de 100 empregados sem o seu próprio profissional médico terão de terceirizar os trabalhos e se utilizar de clínicas especializadas para as providências necessárias.

Essa contratação deve ser objeto de detida análise da competência, objetividade e liberdade profissional.

 

Negativa da perícia patronal

A notícia da jornalista do Estadão Idiana Tomazellli, de Brasília, não informa como agirão os interessados quando o segurado não se conformar com a decisão indeferitória de sua pretensão negativa do médico do trabalho e se poderá voltar-se à Agência da Previdencia Social, o que parece uma obviedade.

 

Conhecimento da matéria

A evidência os empresários seriam obrigados a dominar a legislação sobre o auxílio-doença (filiação, qualidade de segurado, período de carência, cálculo da renda mensal inicial etc.).  Saber o que fazer quando o segurado na atende os requisitos legais.

Por exemplo, releva saber a diferença entre doença, que é o evento determinante do auxílio-doença e gravidez. Principalmente sobre benefício acidentário.

Por vezes, uma segurada grávida fica doente, antes e depois dos 120 dias da ação.

 

Trabalhadores temporários

Os trabalhadores temporários constituem um grupo específico de segurados obrigatórios. Não são empregados dos fornecedores nem dos tomadores de sua mão de obra, mas prestam serviços para estes últimos.

Neste caso quem terá de tomar as providências são as empresas de trabalho temporário, com a particularidade que será o seu médico trabalho que examinará o segurado e não o médico o trabalho da empresa em que presta serviços.

 

Contribuintes individuais

A notícia relata que essas providências dizem respeito ao empregado, mas podem ser ampliadas a não empregados que também são vítimas do atraso da realização da perícia.

A situação dos contribuintes individuais (empresário, autônomo, eclesiástico, estagiário, cooperado, doméstico etc.), dos domésticos, e particularmente do facultativo, deverão manter-se como atualmente, valendo consignar que o art. 76-A do decreto 3.048/99 (RPS) autoriza a empresa protocolar requerimento de auxílio-doença ou documento originário de seu empregado ou de contribuinte individual a ela vinculado ou ao seu serviço, na forma estabelecida pelo INSS.

Entretanto não obsta, à luz do que dispõe a PEC 6-A/19 que a perícia médica seja operada em clínicas especializadas e que o interessado as leve à perícia do INSS.

Um quase-empregado, não está claro que se essa providência se entende ao autônomo que presta serviços as empresas nem incluir os membros da pessoa jurídica.

 

Empregado doméstico

A situação do empregado doméstico é distinta dos demais empregados, é mais pessoal e quase familiar.

De regra, a família contratante não tem a estrutura de uma empresa. Assim sendo, ficaria difícil ao empregador pagar a auxílio-doença e o trabalhador deverá proceder conforme age atualmente.

 

Acidente do trabalho

Os procedimentos em matéria de infortunística terão ser explicitados. Vítima de acidente do trabalho propriamente dito (geralmente traumático), profissional ou do trabalho, além do pronto atendimento pessoal, a empresa continua obrigada a comunicar a ocorrência ao INSS (art. 22 da lei 8.213/91).

 

Acordo internacional

Quando o requisito do período de carência tiver sido completado com contribuições vertidas via acordo internacional, o cenário resta bastante complicado porque o Brasil não pode interferir na legislação do país acordante.

Destarte, feitos os cálculos como se uma aposentadoria, o empregador procederia da mesma forma em relação a parte proporcional de sua obrigação.

 

Serviços no exterior

De acordo com o art. 11, I, f, é segurado do Regime Geral “o brasileiro ou estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em empresa domiciliada no exterior, cuja maioria do capital votante pertença à empresa brasileira de capital nacional”.

Em face dos benefícios por incapacidade laboral, a situação particular desses trabalhadores é naturalmente complexa devido a distância que, em cada caso, separa os dois países.

Independentemente do direito a eventual prestação de previdência social local, preenchidos os requisitos legais faz jus a auxílio-doença devido pelo INSS.

Neste caso, a empresa procederá de acordo com as regras aqui no Brasil. Se for o caso, o INSS apreciará o laudo medico elaborado no exterior.

 

Concessão ex-ofício

Silente a lei, diz o art. 76 do Regulamento da Previdência Social (RPS):

“A previdência social deve processar de ofício o benefício, quando tiver ciência da incapacidade do segurado sem que este enha requerido o auxílio-doença”.

Essa concessão é espontânea da autarquia e se dá principalmente quando o segurado está internado em um hospital.

Mediante ação de assistente social oficial, examinando os documentos do interessado, conforme o caso, tomará as providências necessárias.

 

Conclusões derradeiras

Essa é uma ótima ideia que reclama adequada disciplina administrativa, cuidados especiais dos operadores das partes envolvidas, treinamento, transparência e publicidade.

Os trabalhadores e os sindicatos precisam acompanhá-la pari passu esse desenvolvimento. Com certeza carecerá ser aperfeiçoada.

Se tudo isso der certo e só a experiência dirá do eventual sucesso, será um grande avanço nas relações entre os segurados, as empresas e a Previdência Social a merecer aplausos ao Congresso Nacional.

 

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*Wladimir Novaes Martinez é advogado especialista em Direito Previdenciário.

 

Migalhas, 04 de novembro de 2019