Avanço tecnológico no sistema produtivo causará cada vez mais desemprego

16 de maio de 2019

Análise é do diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, convidado do programa “Entre Vistas”, desta quinta (16), na TVT. “O capitalismo está se reorganizando para uma coisa que nós não conhecemos”

 

A Revolução 4.0 e o emprego
Para Clemente Ganz Lúcio, a base industrial que estruturou nossa sociedade urbana está em transformação

 

As transformações no mundo do trabalho, o surgimento de outro modelo de capitalismo, o avanço da tecnologia que elimina empregos do ser humano, e a situação do Brasil com suas “reformas” trabalhista e da Previdência no contexto global, são alguns dos temas abordados por Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese, no programa Entre Vistas, apresentado pelo jornalista Juca Kfouri, e que vai ao ar nesta quinta-feira (16), a partir das 22h, na TVT. 

Quase dois depois da aprovação da “reforma” trabalhista feita pelo governo do ex-presidente Michel Temer, a situação do emprego no Brasil não melhorou, pelo contrário, o número de desempregados aumentou, alcançado mais de 13 milhões de pessoas. Clemente Ganz Lúcio pondera que, entre 2008 e 2014, nada menos que 110 países fizeram algum tipo de reforma trabalhista, e todas com o mesmo objetivo: flexibilizar contratos e jornadas de trabalho, flexibilizar salários e direitos e limitar o papel dos sindicatos e da Justiça do Trabalho. E o Brasil foi inserido neste contexto. O motivo? Dar segurança às empresas para reestruturarem seus sistemas produtivos. 

“Há uma reformulação subterrânea. O capitalismo está se reorganizando, do ponto de vista produtivo, para uma coisa que nós desconhecemos. A base industrial que estruturou nossa sociedade urbana está em transformação. Eles precisam de uma grande flexibilidade para fazer um ajuste no mundo do trabalho, que eles não têm ideia de qual vai ser. O que nós vemos é que a máquina vai ocupar cada vez mais espaço”, analisa o diretor-técnico do Dieese. 

Para ele, toda essa transformação no sistema produtivo terá como consequência uma “tragédia economia e social”. “A soma de máquinas pode dar, do ponto de vista econômico e social, no alijamento de grande parcela da sociedade.” Clemente pondera que o empresário brasileiro quer reorganizar o sistema produtivo, ao mesmo tempo em que esse sistema está sendo desmontado pela crise econômica e as decisões tomadas para enfrentá-la. “Enquanto outras economias no sistema produtivo industrial se organizam para capitanear processos de ocupação no mundo, as nossas empresas estão sendo destruídas.” 

A mudança no sistema produtivo, ele explica, passa também pelas transformações do próprio sistema capitalista, no qual o “capitalista tradicional” está sumindo e dando lugar a um outro tipo de capitalista, com predomínio dos fundos de investimentos e fundos de pensão, cujos donos são milhares de pessoas espalhadas pelo mundo. “O capitalista tradicional reinvestia três quartos na empresa, para ela crescer, e retirava um quatro como sua parte. Os fundos tiram três quartos e entregam para os acionistas, e reinvestem um quarto. O mundo não cresce, a economia não cresce, porque as empresas estão investindo menos”, afirma. 

O diretor-técnico cita prognósticos que apontam para, nos próximos 10 anos, todo trabalhador ter a assistência de alguma máquina; e nos próximos 30 anos, toda máquina ter a assistência de algum ser humano. “Essa é a radicalidade da mudança que está em curso. E para fazer essa mudança, eles querem a máxima flexibilidade. A reforma trabalhista é para fazer essa flexibilidade”, explica.  

Enquanto antes a máquina era utilizada para incrementar a produtividade industrial, na chamada Revolução 4.0, a tecnologia passa a tomar conta, inclusive, do setor de serviços e no setor público. “O setor público e de serviços são responsáveis por mais de dois terços dos empregos. Então estamos falando de uma tecnologia que vai desempregar trabalhadores do setor público e do setor de serviços, e reocupá-los em funções flexíveis.” 

 

O Brasil no contexto global 

Na avaliação de Clemente, o desemprego no Brasil é consequência de uma economia que “anda de lado”, sem vitalidade. Seu diagnóstico é duro: “Jogou-se a economia para uma recessão absurda, levamos o país a um processe de desinvestimento, perdemos capacidade no setor produtivo, estamos desnacionalizando nossa base produtiva, as empresas estão sendo vendidas, o patrimônio público produtivo está sendo transferido para a iniciativa privada, o investimento em queda, queda nos salários, queda no emprego, a economia não tem tração e não tem emprego sendo gerado”. 

É nesse contexto que o sociólogo analisa o surgimento de “fadas” que prometem resolver o problema: primeiro a “reforma” trabalhista, agora a da Previdência, e a venda de estatais. “Estamos abrindo mão dos instrumentos e das instituições que promovem o desenvolvimento, como os bancos públicos, uma empresa estatal, a capacidade de investimento.” Ele cita ainda a destruição da indústria nacional, ao mesmo tempo em que se expande o setor de serviços de modo precarizado, com empregos e remunerações de baixa qualidade. 

“O governo não gasta e não investe, e o empresário não investe e não produz. O trabalhador não tem emprego e nem salário. Essa economia não tem por onde crescer internamente. E externamente, vamos vender, exportar. O mundo compra pouco, compra grão e minério de ferro, mas isso não dá dinamismo para uma economia industrializada como a brasileira. Estamos no caminho contrário ao crescimento e o emprego, e a reforma trabalhista só veio dar proteção aos empregadores.” 

O Entre Vistas desta quinta conta com a participação de Juneia Batista, secretária nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, e Simone Magalhães, coordenadora regional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

 

RBA, 16 de maio de 2019