Esse quinto artigo do “Especial” sobre o centenário do ex-presidente João Belchior Marques Goulart mostra uma nova batalha, agora pela aprovação da aposentadoria integral.
Por Osvaldo Bertolino
O salário mínimo voltou a gerar discórdia entre João Goulart, agora vice do presidente Juscelino Kubitscheck, e o “sindicato da mentira”, a coalização golpista assim denominada pelo jornal getulista Última Hora. A reação se deu quando ele falou sobre a necessidade de uma revisão dos níveis do salário mínimo, posição considerada por seus inimigos inadequada para um vice-presidente da República. O processo golpista que se desenvolvia, que, após o suicídio do presidente Getúlio Vargas trabalhou para impedir a posse de Juscelino, tentava manobrar o governo com a proposta do parlamentarismo.
Goulart reagiu dizendo que falar em mudança de sistema de governo “sem prévia consulta ao povo” não seria aceitável. Como presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ele disse que seu partido seria mobilizado contra a proposta. Uma mudança como aquela, afirmou, teriam reflexos que “se fariam sentir até mesmo nas conquistas até aqui já obtidas pelas classes trabalhadoras”. A manobra não deu em nada e logo Goulart iniciou um longo ciclo de viagens ao exterior.
Legislação social
Na volta, agora pai — o nascimento do filho, João Vicente, foi noticiado pelo jornal Última Hora na edição de 24 de novembro de 1956 —, ele enfrentou nova batalha contra o “sindicato da mentira”, dessa vez para a aprovação do Projeto de Lei da aposentadoria integral, uma promessa da campanha eleitoral da chapa Juscelino Kubitscheck-João Goulart. Ao defender a proposta, Goulart disse que “no período histórico que teve início há um quarto de século, sob a direção de Getúlio Vargas, avançou no domínio das conquistas sociais a tal ponto que atingiu a um nível comparável ao das nações mais desenvolvidas e, posso afirmar com orgulho, que o Brasil, desde a sua fundação, inspirado por sua tradição cristã, por sua vocação de colaboração com todos os países do mundo, jamais deixou de fornecer esforços para atingir aos objetivos mais elevados, no domínio social”.
Segundo ele, a história mostraria que a Revolução de 1930 não somente foi um ponto de partida para a renovação da vida política e moral, mas que ela se constituiu em firmes fundamentos de um desenvolvimento social progressivo, tornado inevitável pala evolução econômica do país. “A nossa legislação social sobre o trabalho pareceu, em dado momento, demasiado avançada quanto a alguns meios conservadores e quanto a certos setores mais tímidos do nosso país”, comentou, referindo-se aos argumentos levantados pela direita contra o Projeto sa aposentadoria integral.
Sacrifício de Vargas
Goulart argumentou que esses setores temiam que “um país em que o capitalismo ainda não se tinha firmemente estabelecido fosse por demais otimista ao visar a um objetivo de justiça social, sem que transpusesse todas as etapas do desenvolvimento dos outros países industrialmente mais avançados”. “Hoje, verificamos essa magnifica verdade de que o trabalhador brasileiro oferece um belo exemplo de maturidade polícia: sabe utilizar-se dos seus direitos, dar prova de admirável sabedoria e mostrar-se digno da nova situação social que o governo lhe reconheceu a justo título”, afirmou.
Para ele, num país novo como o Brasil a história não poderia ser escrita sem audácia, sem risco, sem espírito de iniciativa. “Podemos, hoje, olhar o que fizemos com orgulho e com sentimento de que cumprimos o nosso dever para com as massas trabalhadoras, que são hoje a própria realidade do Brasil atual”, asseverou. Em sua mensagem de 1º de maio de 1957 — Dia Internacional dos Trabalhadores —, Goulart disse que “no supremo sacrifício de Vargas e na sua mensagem-pensamento encontrarão os trabalhadores brasileiros inspiração e estímulo na sua luta patriótica e cristã em defesa dos seus direitos e na luta pela sua emancipação econômica”.
Ele havia enviado um telegrama aos sindicatos informando sobre a mensagem presidencial, acompanhada de Projeto de Lei, que seria enviada ao Congresso Nacional sobre a aposentadoria integral. “Como todas as leis sociais, esta da aposentadoria integral tem os seus inimigos. Não faltam os que apontam os inconvenientes econômicos, que podem resultar do fato de se sobrecarregar a comunidade com contribuições capazes de suportar o ônus dessa modalidade de segurança individual”, comentou. “Muitos dirão que a lei virá encarecer o trabalho e onerar o custo da produção.”
Vetos do presidente
Mas essa argumentação, de acordo com Goulart, tinha a outra face. “A verdade, porém, é que todo o progresso social representa um encarecimento do trabalho. O trabalho mais barato, o que menos onera o produto, é o da escravidão, e o mais caro é dos povos que conseguem assegurar aos seus operários, mediante salários altos e assistência social bem distribuída, um adequado padrão de vida”, explicou.
Segundo ele, para a produção brasileira competir vantajosamente com a produção estrangeira “o que temos que fazer não é diminuir os direitos ou o bem-estar do trabalhador, e sim aproveitar melhor o capital e o trabalho dentro de uma organização mais perfeita, onde haja menos desperdício e onde se possa produzir em condições técnicas mais adequadas”.
A Lei foi aprovada e sancionada pelo presidente Juscelino Kubitschek ao lado de João Goulart, concedendo aposentadoria integral a todos os trabalhadores aos 55 anos de idade e 30 anos de serviço. O presidente vetou todas as emendas que tentaram mudar o projeto original.