Com pandemia, Ipea prevê quedas de até 1,8% para o PIB 2020

31 de março de 2020

Carta de Conjuntura prevê três cenários, considerando quarentena

 

Na Carta de Conjuntura, divulgada nesta segunda-feira (30), no Rio de Janeiro, os economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) traçaram três cenários para o Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país.

Os quadros consideram o tempo de isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus e, também, a efetividade das políticas econômicas mitigadoras adotadas no Brasil.

No primeiro cenário, em que o período de isolamento se estenderia até o final de abril, é projetada queda para o PIB de 2020 de 0,4%. Caso a quarentena se estenda por dois meses, isto é, abranja abril e maio, o PIB sofrerá retração de 0,9%. Essa queda será ainda maior, alcançando -1,8%, em um quadro de paralisação de atividades por três meses, até junho.

O diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, José Ronaldo de C. Souza Júnior, explicou que devido ao ineditismo do momento que o Brasil e o mundo atravessam, com a crise do novo coronavírus, o Ipea não conseguiu fazer uma projeção pontual como sempre fez referente à conjuntura econômica do país. Em qualquer dos cenários traçados, porém, haverá queda do PIB deste ano.

“Você já tem, além dos impactos internos de praticamente parar alguns setores, uma piora da economia mundial como um todo. A gente tem um impacto muito forte na economia do mundo todo e isso tem impacto também na economia brasileira e a retomada sempre leva algum tempo. A gente está trabalhando com uma retomada rápida mas, mesmo assim, se tem uma perda nos serviços que estão deixando de ser prestados e essa é uma perda que não tem como recuperar. Então, já gera uma perda de PIB”, comentou o diretor do Ipea, em entrevista à Agência Brasil.

 

Recuperação parcial

José Ronaldo Souza Júnior destacou que nos três cenários de retração do PIB 2020 se considera uma recuperação parcial da economia já no terceiro trimestre, e continuada no quarto trimestre. “Isso contando com uma recuperação da economia em que as políticas econômicas de mitigação de danos econômicos sejam bem-sucedidas em termos de emprego, demissões em massa etc”, acentuou. A queda do PIB no segundo trimestre já está comprometida em função de setores parcial ou totalmente paralisados, disse o diretor do Ipea.

Ele considerou inevitável que haja algum aumento de demissões, mas espera que as medidas econômicas possam minimizar esse impacto. “Mas é óbvio que deve haver algum aumento do desemprego, porque há setores que estão totalmente parados e algum ajuste acaba sendo necessário”. Lembrou, no entanto, que para conseguir financiamento com subsídio do governo, a empresa precisa se comprometer a não mandar ninguém embora. “Isso ajuda a minimizar o impacto”.

O diretor do Ipea admitiu que o instituto está navegando em um terreno desconhecido, porque o que está se vendo é uma parada mundial nunca antes vista. ”Nem em tempos de guerra a gente tem notícias do tipo no mundo moderno. É realmente algo novo; a gente tem dificuldade de conseguir fazer previsões”. Nesse caso, ele diz esperar que se consiga descobrir um tratamento para a covid-19 o quanto antes, porque isso levaria a ter uma volta à normalidade o mais rápido possível. “Digamos que o cenário mais positivo seria esse”.

 

Restrições

A descoberta de um tratamento mais eficiente para a doença dispensaria as restrições de toda a interação social e permitiria voltar para uma vida mais próxima do normal muito mais rapidamente. “É uma questão que depende mais de estudos médicos do que econômicos”, observou Souza Júnior.

Na avaliação do diretor do Ipea, parte do comércio está conseguindo se manter de pé via serviço de entrega em domicílio. O setor de alimentação tem conseguido, em parte, manter algum nível de atividade via entrega, mas outros setores de prestação de serviço direto a pessoas ficam muito prejudicados. Citou entre eles, o setor de eventos esportivos e de produções artísticas, que não estão funcionando. “Não têm geração de renda nenhuma. Pelo menos, não nos grandes centros que concentram a maior parte desses eventos”. Souza Júnior mencionou também o setor de aviação comercial de passageiros que experimentou, de acordo com dados recentes, perda de 190% no faturamento.

O diretor ressaltou ainda que também a indústria e o comércio de bens de consumo duráveis estão perdendo muito porque o consumidor, em um momento como esse de crise, se retrai e a venda de produtos, como automóveis, tende a cair bastante. “Até porque as condições financeiras ficam piores em um cenário de maior estresse”. Nesse caso, o diretor sublinhou a importância de o governo dar algum suporte aos trabalhadores, de fazer transferência de renda sem condicional nenhum, para minimizar esse impacto. “Mas, de fato, não tem como eliminar. Não tem jeito”.

 

Perda significativa

A economia vinha, no ano passado, de uma recuperação moderada, mas ainda assim recuperação. E agora, com essa pandemia, é gerada uma perda bastante significativa. “A gente deixa de ter esse período de recuperação, que é reduzir o desemprego, gerar renda, melhorar as condições de vida, e vai ter um período em que a gente vai tentar minimizar danos e tentar uma continuidade de recuperação depois. Mas é claro que é um baque muito grande em um momento que estava positivo finalmente”.

No lado da indústria, alguns segmentos ou setores devem ter alta este ano. Entre eles, indústria farmacêutica, química ligada a medicamentos, comércio de farmácias, supermercados, porque as pessoas substituem alimentação fora de domicílio por alimentação em casa. “Além dos serviços de saúde, que devem ter aumento de produção também, por motivos ruins, mas necessários”.

José Ronaldo de Souza Júnior afirmou que a Bolsa de Valores, como trabalha com expectativas, caso algum protocolo de tratamento contra o coronavírus tenha sucesso, ela conseguirá se recuperar com rapidez, porque o mercado financeiro é muito ágil. ”Ela consegue se recuperar mais rapidamente do que a economia real”.

Em relação à questão cambial, o diretor do Ipea diz acreditar que deve haver um arrefecimento da trajetória de alta, As análises efetuadas pelos economistas do instituto consideram um dólar menor que R$ 5. Souza Júnior disse que mesmo com desvalorização cambial, o Ipea trabalha com inflação sob controle em 2020, com alta da ordem de 2,9% pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), abaixo do centro da meta de 4%.

Souza Júnior reiterou a necessidade de serem feitas políticas de mitigação dos danos econômicos no Brasil, via aumento de gastos temporários, evitando aumento de gastos permanentes, “como o governo tem feito até agora”.

 

Agência Brasil, 31 de março de 2020