Deltan recebeu R$ 33 mil por palestra em empresa citada na Lava Jato

26 de julho de 2019

Segundo novos vazamentos divulgados nesta sexta, procurador discutiu estratégias para quando fato chegasse à imprensa.

 

O procurador da República Deltan Dallagnol fez uma palestra remunerada no valor de R$ 33 mil para uma empresa que havia sido citada em um acordo de delação na Lava Jato, mostram mensagens e documentos divulgados nesta sexta-feira, 26, pela Folha de S.Paulo, que teriam sido obtidos pelo The Intercept Brasil.

 

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A firma do setor de tecnologia Neoway, que contratou Deltan, foi mencionada pela primeira vez em um documento de colaboração que foi incluído em um chat dos procuradores da operação em março de 2016, dois anos antes da palestra.

Além de participar do evento remunerado da companhia, em março de 2018, Deltan aproximou membros da Procuradoria e representantes da Neoway com o objetivo de viabilizar o uso de produtos dela em um trabalho da força-tarefa, da qual é coordenador em Curitiba.

O procurador também gravou um vídeo para a firma no qual enaltece a utilização de ferramentas tecnológicas em investigações, além de ter acionado um dos assessores do Ministério Público para avaliar seu desempenho na gravação.

 

“Pepino”

Quatro meses após a palestra, em um chat, Deltan afirmou a outros procuradores que havia descoberto a citação à empresa na delação premiada do lobista do MDB Jorge Luz, que atuava em busca de vantagens em contratos da Petrobras e subsidiárias.

“Isso é um pepino pra mim. É uma brecha que pode ser usada para me atacar (e a LJ), porque dei palestra remunerada para a Neoway, que vende tecnologia para compliance e due diligence, jamais imaginando que poderia aparecer ou estaria em alguma delação sendo negociada.”

A situação levou Deltan e outros procuradores que haviam mantido contato com a Neoway a deixarem as investigações relativas a Jorge Luz.

 

Resposta

Na manhã desta sexta-feira, a assessoria de comunicação do MPF/PR divulgou nota pela qual o procurador afirma ter atuado com absoluta correção. A nota destaca que “ele não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas aos integrantes da força-tarefa, que são fruto de crime e não tiveram contexto e veracidade confirmados”. Mas afirma que, sem entrar no conteúdo, é importante esclarecer o que se deu. 

“O procurador Deltan Dallagnol jamais participou de negociação ou ato de negociação do acordo de colaboração mencionado na reportagem, que era de responsabilidade da procuradoria-geral da República. Ele não esteve entre os procuradores da força-tarefa designados para atuar no acordo. Assim que tomou conhecimento da menção da empresa Neoway no acordo, o procurador informou os colegas, em meados de 2018. Após o acordo ser homologado pelo Supremo, o termo de depoimento do colaborador sobre a empresa foi enviado para a força-tarefa em Curitiba. Assim que recebido, o procurador, no início de junho deste ano, declarou-se suspeito e o caso foi redistribuído para procurador de fora da força-tarefa.”

Além disso, a nota informa que, por questão de transparência e prestação de contas, o procurador encaminhou ofício ao corregedor do MPF explicando toda a situação.

 

Conflito

Os diálogos examinados pela Folha e pelo Intercept mostram outras ocasiões em que convites recebidos por Deltan levaram a discussões sobre potenciais conflitos de interesses.

O procurador chegou a perguntar aos colegas sobre eventual participação em um evento organizado pela Odebrecht Ambiental. Deltan foi advertido pelos procuradores e não aceitou o convite.

Em outra oportunidade, o procurador teve que cancelar a presença em um evento organizado pela empresa distribuidora de combustíveis Raízen, logo após ler a notícia de que a companhia havia sido alvo de uma operação da Polícia Civil do Paraná.

 

Delação de Jorge Luz

Os procuradores da Lava Jato criaram um grupo no aplicativo Telegram em fevereiro de 2016 para tratar do acordo de delação premiada de Jorge Luz, inclusive com a participação de Deltan.

Em 22 de março daquele ano, circulou no chat um documento no qual o delator afirmou que atuou em favor da Neoway em um projeto de tecnologia da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. Luz contou que recorreu ao então deputado Federal Cândido Vaccarezza e ao atual deputado Federal Vander Loubet para aproximar a Neoway da BR Distribuidora.

O delator afirmou que, após uma reunião na BR Distribuidora para apresentação de sua ferramenta tecnológica, a Neoway foi contratada. Jorge Luz disse ainda que os contratos com a empresa foram executados por volta de 2011 ou 2012 e não houve pagamentos a funcionários da Petrobras, apenas repasses a Vaccarezza e Loubet.

O colaborador não indicou os valores dos contratos e dos pagamentos aos deputados nos documentos examinados pela Folha e pelo Intercept.

 

Processo

O relato de Luz sobre a Neoway levou o ministro do STF Edson Fachin a determinar a abertura de um processo no STF para tratar do caso em abril de 2019, segundo um despacho do magistrado que foi enviado a um grupo dos procuradores no Telegram.

Luz teve seu acordo de delação premiada homologado pelo STF. Ele havia sido condenado a dez anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro em um processo sobre o pagamento de propinas em contratos de navios-sonda da Petrobras, e agora está sob o regime de prisão domiciliar previsto no acordo de colaboração.

Apesar de o nome da empresa de tecnologia ter sido mencionado nos documentos da delação já em março de 2016, Deltan comemorou a realização da palestra para a companhia em uma mensagem enviada em um outro grupo de conversas dos procuradores dois anos depois, em março de 2018.

 

Entusiasmo

O coordenador da Lava Jato demonstrou entusiasmo por ter sido contratado pela empresa e mencionou o presidente executivo da firma, Jaime de Paula. O procurador da República Júlio Noronha, também integrante da Lava Jato, sugeriu então que Deltan procurasse marcar uma reunião com o presidente executivo da Neoway para tratar da obtenção de produtos para um projeto da Procuradoria denominado LINA (Laboratório de Investigação Anticorrupção).

Deltan concordou e afirmou que iria procurar agradar o empresário. “Exatamente. Isso em que estava no meu plano. Vou até citar ele na palestra pra ver se sensibilizo kkkk”.

Quatro dias depois, Deltan realizou a palestra para a Neoway no evento intitulado Data Driven Business, no resort Costão do Santinho, em Florianópolis e, no mesmo dia, procurou os colegas para marcar a reunião com os representantes da empresa. O procurador afirmou que a companhia cogitava fornecer produtos gratuitamente. “Como fiz um contato bom aqui valeria estar junto. Eles estão considerando fazer de graça. O MP-MG está contratando com inexigibilidade.”

Porém, quatro meses depois, em julho de 2018, Deltan afirmou em um diálogo que havia percebido a citação à Neoway no acordo de delação de Jorge Luz.

“Qto isso é ruim? Legalmente não vejo qualquer problema, mas já estou sofrendo por antecipação com as críticas. Dando uma passada de olhos nos anexos do Luz, vejam o que achei. Empresa de TI que veio apresentar produtos de TI para LJ.”

O procurador, então, propôs medidas para tratar do problema, como declarar-se suspeito, e destacou: “não sei até que ponto isso afeta o trabalho de todos”.

Deltan também discutiu como proceder caso a situação viesse a público.

“Pensando rapidamente o que provavelmente poderia fazer ou informar: – Não tinha conhecimento, não participei da negociação – assim que tomei, me declarei suspeito e me afastei – a palestra remunerada é autorizada pelo CNMP e se deu em contexto de mercado (lançamento de produto de compliance) e por valor de mercado.”

“Já recusei palestra por conflito de interesses, mas nesse caso não foi identificado – como voltará à baila a questão das palestras, a maior parte das palestras é gratuita e grande parte do valor é doado”, completou Deltan sobre a estratégia ante eventual repercussão negativa.

No mês seguinte, agosto de 2018, os procuradores iniciaram conversa sobre quem iria trabalhar nos casos relativos a Jorge Luz, e o tema da Neoway voltou à tona. Nesse diálogo, o procurador Paulo Roberto Galvão indagou: ”Vcs nao preferem ficar de fora do luz?”

A procuradora Laura Tessler sugeriu que todos os procuradores da equipe entrassem no caso, mas Galvão lembrou do episódio da palestra de Deltan. “Delta nao quer… problema da neoway, laurinha”, escreveu Galvão à colega.

 

Empresa

À Folha, a empresa de tecnologia Neoway nega ter usado a firma do operador do MDB Jorge Luz para obter qualquer vantagem indevida em contratos com a BR Distribuidora. A Neoway informa ainda que jamais prestou quaisquer serviços ou forneceu qualquer produto para o projeto LINA ou para o MP-MG, seja de forma gratuita ou onerosa. 

 

Vazamentos

Migalhas reuniu, em site exclusivo, todas as informações e desdobramentos dos vazamentos envolvendo a operação Lava Jato. Acesse: vazamentoslavajato.com.br

 

Migalhas, 26 de julho de 2019