por Hylda Cavalcanti,
da Rede Brasil Atual
Diante de galerias ocupadas por militantes de entidades da sociedade civil, magistrados, fiscais trabalhistas, artistas, estudantes e observadores diversos, os senadores finalmente aprovaram por unanimidade, em dois turnos, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 57A, a famosa PEC do Trabalho Escravo, que tramitou durante 15 anos no Congresso. A matéria será promulgada em sessão solene a ser realizada na próxima quinta-feira (29).
A PEC 57, de 1999, prevê a expropriação de terras em que seja observada a prática de trabalho escravo. Apresentada pelo então senador Ademir Andrade, estabelece, entre outras coisas, que a expropriação das áreas onde for observada a prática do trabalho escravo se dará para fins de reforma agrária e programas de habitação popular, sem que os proprietários recebam qualquer tipo de indenização.
Atualmente, a Constituição prevê que apenas as terras onde há cultivo de vegetais psicotrópicos, como maconha e coca, podem ser expropriadas e destinadas ao assentamento de colonos.
A votação foi acertada após várias reuniões entre governo e lideranças nos últimos dias e ocorreu mediante negociação com representantes do agronegócio para que fosse apreciada, também, a emenda que acrescenta ao texto que define os aspectos que caracterizam o trabalho escravo contemporâneo. Durante toda a tramitação da matéria os ruralistas se queixavam de que há atualmente exagero por parte dos fiscais do trabalho, o que poderia conduzir a uma expropriação agrária baseada em informações falsas.
Parece simples, mas a exigência fará com que a matéria seja regulamentada por meio de uma lei. Projeto de Lei do Senado referente ao tema já está tramitando e tem como relator o senador Romero Jucá (PMDB-AL). “Agora, todas as definições serão estabelecidas. O assunto é muito sério, exige uma resposta de nossa parte, mas a lei precisa ser objetiva e específica para evitar injustiças”, disse Jucá.
“O objetivo é tornar mais claro o teor do texto”, chegou a afirmar o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), relator da PEC na Casa, ao falar sobre a emenda.
A votação da emenda, no entanto, não agradou a todos. O senador Roberto Requião (PMDB-PR) disse que a seu ver a medida “esteriliza a PEC”, uma vez que tornará a matéria condicionada a uma lei complementar. “Por votar em defesa da erradicação do trabalho escravo, voto contra essa emenda ao texto”, afirmou o paranaense.
O líder do Psol no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), também votou contrário à emenda e fez uma comparação à PEC que regulamenta o direito das empregadas domésticas. “Não podemos deixar que uma matéria tão importante se arraste por mais tempo. E atrelada a essa lei complementar, a questão ainda precisa aguardar a tramitação, que pode demorar”, acusou.
Exigência ‘redundante’
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), rebateu afirmando que se trata de uma exigência óbvia e “redundante”, uma vez que a emenda constitucional já necessita, por si só, de uma regulamentação e que o projeto de lei não demorará a ser apreciado. “A sociedade esperava há tempos por essa resposta de nós, do Legislativo”, acrescentou.
Também o deputado Walter Pinheiro (PT-BA), afirmou, em contraponto aos que se posicionaram contrários à emenda, que a votação da matéria foi resultado de acordo que deveria ser respeitado e não representa problemas para a PEC. “A questão não vai retroagir por causa dessa emenda”, colocou ele.
Paulo Paim (PT-RS), que teve uma atuação forte na tramitação da PEC, disse que a data “entrará para a história”. “A proposta, depois de 15 anos, se transforma em realidade. Houve quem me dissesse que o Senado não a votaria nunca e hoje comemoro esta votação”, afirmou.
Momento favorável
A sessão foi acompanhada pela ex-secretária de Direitos Humanos da Presidência da República, deputada Maria do Rosário Nunes (PT-RS), e a atual secretária, a ministra Ideli Salvatti. A titular da pasta passou o dia no Congresso conversando com os líderes partidários para forçar a votação da PEC, de forma a fazer com que a emenda seja promulgada antes do início dos jogos da Copa do Mundo. “Vamos abrir a Copa com um gol de placa no cenário mundial”, ressaltou.
O momento foi considerado favorável para a aprovação da proposta em função do desgaste que tem sido observado no Congresso nos últimos meses – com a discussão sobre instalação ou não de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) – e, principalmente, diante da proximidade da Copa do Mundo e do interesse dos próprios deputados e senadores em passar uma boa imagem do Legislativo e do país para o mundo.