Projetos que serão discutidos no Congresso simplificam tributação sobre consumo, mas são tímidos em combater a incidência de impostos para os mais pobres
Senado e Câmara dos Deputados instalam em fevereiro a comissão mista que terá a função de reunir em um só texto as principais propostas de reforma tributária no Congresso. A discussão dos parlamentares deverá girar em torno de dois projetos centrais. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, apresentada em abril pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), aguarda parecer em comissão especial da Câmara, e a PEC 110, sugerida em julho pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), está pronta para votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
A principal convergência entre as duas propostas é a extinção de diversos tributos que incidem sobre bens e serviços. Eles seriam substituídos por um só imposto sobre valor agregado. A PEC 45 extingue cinco tributos: três de competência da União (IPI, PIS e Cofins) e dois de estados e municípios (ICMS e ISS). Além desses, a PEC 110 acaba com outros quatro impostos federais (IOF, salário-educação, Cide-combustíveis e Pasep).
Entre essas duas propostas, a oposição levantou a bandeira em defesa de uma reforma tributária solidária, que difere desses projetos por adotar instrumentos de progressividade de impostos, promovendo justiça fiscal – maior incidência de impostos para os mais ricos e menor para os mais pobres. Além dos dois projetos, mais de 100 PECs para reformar o sistema tributário no país estão no Congresso Nacional.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou em janeiro uma análise sobre as PECs 45/ e 110. De acordo com o estudo Reforma Tributária e Federalismo Fiscal, a unificação de IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS no futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) resultaria em uma tributação de 26,9% — uma das mais altas do planeta. “A alíquota do IBS deve chegar a níveis próximos de 27%, segundo as nossas estimativas, o que colocaria o Brasil entre os países com as maiores alíquotas-padrão de IVA (imposto sobre valor agregado) do mundo, ao lado da Hungria, que tributa em 27%, e acima de países como Noruega, Dinamarca e Suécia, com alíquotas de 25%”, afirmam os pesquisadores Rodrigo Orair e Sérgio Gobetti.
Os analistas compararam a receita atual de ICMS e ISS de cada unidade da Federação com a estimativa potencial de arrecadação com o futuro IBS. A conclusão é de que 19 estados podem ganhar com as mudanças. Entre eles, os 12 entes considerados de renda baixa (com nível de produto interno bruto per capita até R$ 20 mil por habitante), que devem arrecadar R$ 24,8 bilhões a mais por ano. Os maiores beneficiados são Pará e Maranhão, com ganhos de R$ 5,6 bilhões e R$ 4,2 bilhões.
No outro lado da moeda, oito estados de renda média (entre R$ 20 mil e R$ 30 mil per capita) e alta (acima de R$ 30 mil) perdem com as mudanças. Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo juntos deixam de arrecadar R$ 34,3 bilhões por ano. Paulistas e mineiros pagam a conta mais alta, com prejuízos de R$ 21,2 bilhões e R$ 4 bilhões.
Combate às desigualdades
O Ipea analisou ainda o impacto das duas PECs no combate às desigualdades sociais. Pela regra atual, a fatia mais pobre da população paga 26,7% da renda em impostos sobre o consumo. Os mais ricos desembolsam apenas 10,1%. A reforma tributária reduz essa diferença, mas de maneira discreta: 24,3% para os mais pobres, e 11,2% para os mais ricos.
Já a reforma tributária solidária, bandeira da oposição, considera que hoje, os impostos sobre consumo representam metade da carga tributária do país. E por isso propõe diminuir esse percentual para 36,7%. Isso significa reduzir os impostos sobre o consumo em R$ 231,7 bilhões. Já a arrecadação com impostos sobre a folha de salário pode ser reduzida de R$ 482 bilhões para R$ 403 bilhões, uma redução 4,58%.
O entendimento é que diminuindo os impostos sobre o consumo e a folha de pagamento, sobra mais dinheiro para o consumo, enfim, para que o consumidor tenha mais qualidade de vida. “Isso movimenta a economia, gera mais produtividade e mais emprego! Todos saem ganhando”, afirma o site em defesa da reforma solidária, mantido pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e pela Associação dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).
Outro ponto importante da bandeira pela solidariedade é aumentar a incidência de tributos sobre renda e patrimônio para garantir o financiamento de políticas públicas que podem combater as desigualdades sociais, como em saúde e educação. Esses impostos são progressivos, isto é, a taxa aumenta de acordo com a renda, então eles não alimentam a desigualdade.
A Reforma Tributária Solidária defende aumentar a participação do Imposto de Renda na arrecadação de 18,27% para 30,67%. Isso pode ser feito com o retorno da tributação sobre lucros e dividendos. “Hoje, quem ganha mais de R$ 211 mil paga imposto como se ganhasse R$ 60 mil. Isso acontece porque cerca de 70% da renda dessas pessoas é declarada como lucros ou dividendos, que são isentos no imposto de renda”, afirma o site.
Outra distorção da tabela atual do Imposto de Renda é cobrar a mesma taxa (27,5%) para todos que ganhem acima de R$ 4,6 mil. No modelo atual, quem recebe R$ 5 mil e quem recebe R$ 135 mil acaba pagando a mesma taxa. Para mudar isso, defendemos a criação de novas alíquotas: uma de 35% para quem ganha de 40 a 60 salários mínimos, e outra de 40% para quem ganha mais de 60 salários mínimos. É importante lembrar que o valor de 35% é tributado apenas sobre a faixa que excede os 40 mínimos. Uma pessoa que ganhe R$ 39 mil, por exemplo, só terá que pagar 35% de R$ 1 mil.
Essas medidas elevariam a tributação para apenas 2,7% dos brasileiros. Já quem recebe até quatro salários mínimos não teria mais que pagar imposto de renda (atualmente, a isenção é só para quem recebe até pouco menos que dois salários mínimos).
Tudo isso seria feito sem que se aumentasse a carga tributária no país, desde que fossem revogadas as isenções fiscais e houvesse um combate efetivo à sonegação – esse são dois problemas que alimentam a injustiça tributária no país. As isenções fiscais e a sonegação levam a uma perda de arrecadação de R$ 900 bilhões anuais. Isso representa 12,8% do PIB e 64% da arrecadação anual da União.
“A sonegação e as isenções fiscais transferem recursos para as camadas mais abastadas do país, aumentando a desigualdade. Para completar, elas também diminuem os recursos disponíveis para que o Estado possa investir em saúde, educação, segurança… Todos saem prejudicados por essas duas práticas”, diz o site da reforma solidária.