Dia 1.º de Maio homenageia luta operária

4 de maio de 2015

Primeira grande greve geral no Brasil, realizada na cidade de São Paulo em 1917. |

Primeira grande greve geral no Brasil, realizada na cidade de São Paulo em 1917.COMEMORAÇÃO

Dia 1.º de Maio homenageia luta operária

Data remonta aos trabalhadores mortos em protesto nos EUA por melhores condições de trabalho. No Brasil, primeiras conquistas surgem no início do século 20

O regime escravocrata vigorou no Brasil por quase quatro séculos, período durante o qual direitos trabalhistas eram peça de ficção. Depois da abolição, o cenário não mudou muito para os trabalhadores: imigrantes disputavam poucas vagas com milhares de escravos recém-libertos. Em um contexto de mão de obra excedente, empregadores não concediam qualquer direito aos seus empregados. Esse cenário perdurou até a Revolução de 1930.

Data comemorativa nasceu de tragédias

O ano é 1886. O dia, 1.º de maio. Trabalhadores realizam uma manifestação nas ruas de Chicago, nos Estados Unidos, para reivindicar a redução da jornada de trabalho de 16 para oito horas diárias. Ao fim de três dias, 15 manifestantes são mortos e dezenas ficam feridos em confronto com policiais. É em homenagem à Revolta de Haimarcet, como ficou conhecido o levante dos trabalhadores estadunidenses, que surge o Dia do Trabalhador, em 1889.

Nos anos seguintes, outros acontecimentos reforçaram a data como símbolo da luta trabalhista. Em 1891, também em um 1.º de maio, um protesto de operários organizado na França termina com dez manifestantes mortos. “O Dia do Trabalhador é comemorado, mas foi resultado de uma matança de trabalhadores que fizeram frente à polícia. O 1.º de Maio homenageia uma época de muita luta, e não de festa”, observa o historiador Renato Carneiro.

O primeiro país a proclamar 1º de maio como feriado foi a França, em 1919. A partir daí, outros países adotaram oficialmente a data como Dia do Trabalhador. No Brasil, o feriado nacional foi criado em 1925 pelo presidente Artur Bernardes, em um período de fortalecimento da classe operária. (CP)

Nas primeiras duas décadas do século 20, as principais reivindicações trabalhistas dos brasileiros eram aumento salarial; redução da jornada, pois na época operários chegavam a trabalhar até 16 horas por dia; fim da exploração de mão de obra adolescente e de mulheres e melhorias das condições gerais de trabalho. Como não havia legislação abrangente, cada fábrica implementava seu próprio regulamento, o que resultava em diversas distorções e abusos nas relações trabalhistas.

Nesse contexto, a atuação dos primeiros sindicatos foi determinante para o fortalecimento da classe operária brasileira no início do século passado. No início, os sindicatos atendiam às necessidades básicas dos trabalhadores, como iluminação no local de trabalho, descanso mínimo e criação das caixas de pensão para assistir ao trabalhador dispensado pelo empregador.

Trabalho no Brasil

Veja a evolução dos direitos do trabalho:

1903 – É promulgada a primeira lei trabalhista brasileira. O Decreto 979 concede aos trabalhadores rurais o direito de se organizarem em sindicatos.

1907 – Com o aumento de protestos trabalhistas, o Congresso aprova a lei Adolfo Gordo, que legaliza a expulsão sumária do país de imigrantes flagrados em manifestações. Como a maioria dos trabalhadores urbanos eram imigrantes, a lei fragiliza o Decreto 1.637.

1917 – Acontece a primeira grande greve geral do Brasil. Trabalhadores da cidade de São Paulo paralisam as atividades por oito dias. Outras manifestações marcam a segunda década do século 20: movimento tenentista de 1922; a Revolução de 1924 e a Coluna Prestes, entre 1925 e 1927.

1919 – É criada a primeira Lei de Acidente do Trabalho, baseada no conceito de risco profissional inerente à atividade profissional. O fundamento era de que, sendo o empregador o beneficiado pelos lucros do trabalho dos empregados, caberia a ele a responsabilidade pelos riscos derivados da atividade da empresa.

1930 – Getúlio Vargas assume a presidência da república com duas bandeiras: recuperar a economia cafeeira do Brasil e organizar o mundo do trabalho. A Era Vargas revoluciona as relações trabalhistas e classistas com a criação de direitos sociais abrangentes e o atendimento de reivindicações trabalhistas históricas. Em contrapartida, implanta um governo de viés ditatorial, no qual prisões arbitrárias, torturas e repressão política eram corriqueiras.

1933 – O ano da conquista das férias anuais. Inicialmente, apenas trabalhadores do comércio e bancos foram beneficiados; mais tarde, o direito foi concedido às outras categorias. Nesse mesmo ano, nasce o protótipo da previdência social e é proibido o trabalho para crianças menores de 12 anos.

1934 e 1935 – A Constituição Federal de 1934 consagrava direitos básicos do trabalhador, como salário mínimo, férias e descanso semanal remunerado. No ano seguinte, uma nova lei estipula indenização aos trabalhadores assalariados demitidos sem justa causa.

1937 – O Estado Novo de Vargas representa uma grande reviravolta no cenário nacional. Uma nova Constituição Federal é outorgada. Greves passam a ser proibidas.

1940 – Exatamente em 1º de maio de 1940, Vargas cria o salário mínimo nacional.

1943 – Grande marco regulatório do trabalho no Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sistematiza o arcabouço de leis, decretos e normas trabalhistas. O novo dispositivo concentra-se sobre os direitos do trabalhador, a organização sindical e a Justiça do Trabalho.

A atuação dessas entidades ganhou força quando a sindicalização de trabalhadores urbanos foi reconhecida por decreto em 1907. As primeiras greves de trabalhadores datam desse período. “Sempre houve greve, mas a paralisação era fortemente reprimida pelo Estado e pela polícia”, lembra o historiador e diretor do Museu Paranaense Renato Carneiro.

Em 1917, aconteceu a primeira grande greve geral do Brasil, quando cerca de 70 mil trabalhadores da indústria e comércio de São Paulo paralisaram as atividades. A mobilização resultou em aumento de salário imediato, mas a principal vitória foi o reconhecimento do movimento operário como instância legítima de reivindicação e negociação trabalhista.

Desde então, a greve é o principal instrumento de luta da classe operária. Na avaliação de Carneiro, parar é a única forma de obter mudança. “Sem luta, não há direito trabalhista. Não fosse a movimentação do início do século 20, não teríamos jornada de trabalho, hora extra, seguro ou licença de maternidade. Se isso tudo existe, é porque alguém brigou.”

Apesar de todas as transformações das relações de trabalho e da ampliação do direito trabalhista, o modelo sindical brasileiro manteve a mesma constituição e estrutura desde seu surgimento – livres de interferência estatal. “O sindicalismo brasileiro nasce do espírito de contestação dos trabalhadores. É um instrumento de união que busca limitar a exploração do trabalho. O direito do trabalho nasce dessa união, de pressões históricas”, explica o advogado trabalhista e docente do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, Sandro Lunard Nicoladeli.

Hoje, sindicatos constituem importantes atores políticos e sociais, cuja ação ultrapassa a mediação das relações de trabalhos, mas interfere na vida da sociedade e na atuação do Estado ao promover a discussão de políticas econômicas e pressionar o parlamento.

Era Vargas, um período de avanços e controvérsias

O historiador e diretor do Museu Paranaense, Renato Carneiro, observa que as primeiras leis trabalhistas brasileiras, criadas no início do século 20, serviam mais ao empregador do que ao empregado.

“A legislação do início do século tratava o trabalho como questão de polícia, penalizava o trabalhador e não o capital. Quando o trabalhador tinha alguma vantagem, era por liberalidade do empregador ou consciência cristã, não por direito.”

A situação mudou quando Getúlio Vargas assumiu a presidência da República, em 1930, e implementou uma série de dispositivos legais de proteção ao trabalhador.

Entre as medidas mais significativas da Era Vargas destaca-se a proibição do trabalho infantil; criação de legislação previdenciária (o que existia eram as caixas de pensão, uma espécie de fundo administrado pelos sindicatos); concessão de férias remuneradas e regulamentação da jornada de 8 horas diárias e de horas extras.

A Era Vargas é bastante controversa. Ao mesmo tempo em que o governo proporcionou uma série de conquistas trabalhistas e ampliou a discussão sobre políticas sociais, também passou a praticar dura repressão contra qualquer contestação à ordem estabelecida. A repressão, no entanto, passava ao largo do trabalhador uma vez que ele se conformasse em não lutar por seus direitos.

“É verdade que Vargas foi um ditador que manipulou a opinião pública; e são verdade as conquistas trabalhistas do período. Satanizar o Vargas não é honesto, pois houve uma troca de interesses. Os trabalhadores aderiram a uma estratégia de aliança temporária com um governo autoritário para que essa troca de interesses acontecesse em favor do trabalhador”, explica Carneiro. (CP)

Relações modernas, conflitos antigos

Para o advogado trabalhista e docente do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Sandro Lunard Nicoladeli, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) configura-se como o marco regulatório do trabalho no Brasil. Porém, ele destaca que sua efetividade está diretamente associada ao dever ético, por parte do empregador, de respeito à legislação. “Existe uma cultura de sonegação dos direitos trabalhistas. Aposta-se na impunidade, na fiscalização falha”, comenta.

A despeito do arcabouço legislativo à disposição do trabalhador brasileiro, Nicoladeli aponta outras distorções nas relações de trabalho de hoje. “O sistema de concorrência entre as empresas é reproduzido nas relações de trabalho. Então temos trabalhadores submetidos a assédio moral e à pressão por resultados; tempo de trabalho superior à jornada de trabalho, pois o sujeito trabalha de casa, é acionado nos finais de semana. As relações se modernizam, mas os problemas são os mesmos: condições de trabalho e instrumentos de pressão por parte do capital”, explica.

Nicoladeli lembra, ainda, direitos do trabalhador que precisam ser aprimorados, como redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais; diminuição dos tributos decorrentes da renda; e regulamentação da demissão imotivada e em massa. (CP)

 

Fonte: Ipea

Gazeta do Povo 

  • 01/05/2015
  •  

  • 22h00
  •  

  • Carolina Pompeo

Texto publicado na edição impressa de 02 de maio de 2015