Dieese: Pacote anunciado por Bolsonaro é insuficiente para reduzir desemprego

10 de setembro de 2019

Equipe econômica estuda lançar conjunto de propostas que devem ampliar participação do setor privado sobre ações públicas e diminuir tributação de empresas, desconsiderando os problemas estruturais do desemprego, segundo entidade.

 

“O conjunto dessas medidas talvez tenha infelizmente baixa eficácia porque a dinâmica econômica não é favorável à criação de vagas”, alerta Clemente Ganz Lúcio na Rádio Brasil Atual – ARQUIVO EBC

 

O governo de Jair Bolsonaro estuda lançar um “pacote de combate ao desemprego” que reúne diversas ações que pretendem criar condições que permitam aos empregadores criarem vagas de trabalho. O conjunto de propostas já vem sendo anunciado pela mídia desde a semana passada, mas apenas banqueiros e executivos tiveram acesso às propostas elaboradas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que deve, com aval desses setores, anunciá-las nos próximos dias.

Mas, na análise o diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, o que se sabe desse pacote “talvez tenha uma baixa eficácia”, como afirmou em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual. Para CLemente, o pacote coloca quase que diretamente o trabalhador como responsável pela falta de postos de trabalho e, ao fazer isso, desconsidera as condições da própria economia brasileira. “Porque a dinâmica econômica não é favorável para a criação de vagas”, ressalta Clemente.

As medidas do governo envolvem a liberação de R$ 65 bilhões de depósitos recursais para as empresas financiarem o capital de giro. Ou seja, os valores que hoje estão depositados em juízo para que as companhias arquem com questões trabalhistas, serão liberados desde que elas façam um seguro para compensar a reserva desse recurso para o caso de perderem uma ação na Justiça do Trabalho e assim possam indenizar ex-funcionários.

Outra ação prevista é uma tentativa de organizar uma parceria público-privada para a intermediação de mão de obra. Na prática, essa proposta desloca para as empresas do setor privado o trabalho de agência de emprego, que estão a cargo do Sistema Nacional de Emprego (Sine), responsável desde 1975 por esse trabalho, com aporte de recursos públicos. “(Isso é) para que a intermediação seja pública e não privada, mas o governo Bolsonaro prevê justamente o contrário: ampliar e apoiar a intermediação privada de alocação de pessoas em postos de trabalho”, critica Clemente.

O diretor-técnico do Dieese também contesta a proposta do governo de promover algumas facilidades para que o desempregado se qualifique. Clemente destaca que de fato a formação é um problema para hora da disputa por uma vaga, mas cursos de curta duração, como oferta a equipe econômica, não resultam na qualificação do trabalhador. “Um programa de formação mais extenso, continuado, articulado com o setor empresarial tem se demonstrado muito mais eficaz, coisas que o sistema S faz com maior efetividade”, avalia.

Também é criticável para o especialista duas medidas que preveem estímulos para que as empresas façam algum tipo de investimento em termos de formação, como a redução do PIS/Pasep que os empregadores recolhem, ou ainda da instituição do chamado “emprego verde e amarelo”, que permitirá a desoneração da folha de pagamento e uma redução de 50% no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) às empresas que contratarem um jovem ou profissional desempregado. “O risco disso é que tenhamos uma rotatividade perversa. As empresas demitindo trabalhadores que são contratados pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), para contratar desempregados ou jovens, com estímulo fiscal, pagando portanto menos tributos. Numa condição em que a economia apresenta grave distorção em termos de desemprego, esse tipo de iniciativa pode incentivar uma rotatividade perversa”, alerta o especialista do Dieese.

O plano de aquecimento do mercado de trabalho também deve prever a reformulação das regras para o microempreendedor individual (MEI), modalidade usada por trabalhadores autônomos que, com o pacote, poderão contratar até duas pessoas com novas faixas de limite e contribuição, e a reformulação do Sine, que além da junção com o setor privado teria seus serviços informatizados. O desenho das medidas também visa reabilitar trabalhadores afastados por problemas de saúde ou acidente, como programas de reabilitação para quem é faz uso problemático de substâncias psicoativas. “É um problema social importante a ser atacado, mas com baixo impacto sobre a criação do emprego”, explica Clemente.

Das medidas previstas, a única que o diretor-técnico destaca positivamente é a ampliação do microcrédito para as comunidades e trabalhadores autônomos que não têm capacidade de comprovação de renda, o que de acordo com ele pode contribuir para que profissionais que precisam de algum tipo de crédito alavanquem sua atividade econômica e, portanto, beneficiem o país.

Mas, numa análise geral, Clemente destaca que o pacote, que utilizará ainda recursos do Sistema S, não enfrentará de maneira estrutural o problema da falta de postos de trabalho, que atinge hoje 12,6 milhões de pessoas, principalmente por distorcer políticas públicas e promover a privatização. “Não serão essas as medidas que enfrentarão esse grave problema do desemprego”, sintetiza.

 

RBA, 10 de setembro de 2019